terça-feira, 8 de agosto de 2023

 Charles Bezerra Cabral

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    Dando sequência a Literatura Cordelista, publicamos  mais um exemplar do primo poeta Rena Bezerra.

 

 

O MORTO QUE NÃO MORREU

 I

Outro dia nas caatingas

Nordestinas do sertão,

Um homem já muito velho

Doente do coração,

Deixou viúva uma senhora

E um filho que muito chora

Essa perda sem razão.

 II

Quando a morte vem chegando

Não escolhe cara ou cor,

Pode ser velho ou novo

Envolvido de amor,

Deus chama pra vida eterna

Livrando dessa taberna

Seu filho que é sofredor.

 III

Esse caso que comento

É triste mais engraçado,

O velhinho que morreu

Precisa ser enterrado,

No meio da confusão

Gritaram: - falta o caixão

Que precisa ser comprado.

 IV

O sítio era muito longe

Bem distante da cidade,

A família pobrezinha

Só tinha muita bondade,

O filho na apreensão

Diz: -ô mãe, esse caixão

Quem vai comprar é compadre.

 V

O compadre era bem quisto

E o rico da região,

Tinha gado e muita terra

Possuía um caminhão,

E disse: -deixe comadre

Que eu vou avisar o padre

E comprar esse caixão.

 VI

Já era de tardezinha

Quando o caminhão partiu,

Em toda velocidade

Que a poerama cobriu,

Enquanto os outros ficaram

Três vezes os terço rezaram

E o céu de azul se vestiu.

 VII

O compadre da família

Na cidade foi chegando,

Era um lugarzinho pequeno

E o povo foi perguntando:

-você hoje endoideceu?

O que foi que aconteceu

Lá pro lado de seu bando?

 VIII

O compadre sem demora

Fala trêmulo, murmurando:

-foi um homem que morreu

E o povo tão me esperando,

Só vim comprar o caixão

E volto em cima da mão

Com Zé Preto no comando.

 IX

Zé Preto era o motorista

Do compadre João Costela,

Um toreco baixo e grosso

Da cor de fundo de panela,

Um cabra de decisão

Que as matas do sertão

Precisa pra dentro delas.

 X

Encontraram a tal da casa

Onde vendia o caixão,

Pagaram na mesma hora

Não foi compra a prestação,

Os dois travaram um galope

E enfiaram o envelope

Em cima do caminhão.

 XI

Tava tudo resolvido

E partiram em direção,

Na cabine só ia os dois

E em cima só o caixão,

Quando um homem bem na frente

Levanta a mão de repente

Pra parar o caminhão.

 XII

Ele subiu bem depressa

E falou pra onde ia,

O tempo foi se fechando

Um sereno fino caía,

A chuva foi aumentando

E o homem se agoniando

Sem saber pra onde corria.

 XIII

E ele sem perder tempo

Foi pra dentro do caixão,

A chuva foi castigando

Alegrando esse sertão,

Com uns dez minutos passou

Mais o cabra cochilou

Roncando como um trovão.

 XIV

O caminhão prosseguia

Bem no meio da estrada,

Aqui, ali um passageiro

Dando a mão pra ter parada,

Eu só sei que de repente

O carro tinha tanta gente

Que faltava até bancada.

 XV

Quando foi com uma meia hora

Que o carro ia rodando,

O caixão ia no meio

E o povo todo olhando,

O cabra ainda tava lá

Dormindo que só guará

Quando fica namorando.

 XVI

Veja bem meus companheiros

O que foi que aconteceu,

O cabra que tava dentro

Do caixão estremeceu,

O povo ficou olhando

E ao mesmo tempo pensando

Que foi um catabí que deu.

 XVII

Mais na verdade foi o homem

Que no caixão cochilou,

Quando viu que tinha dormido

O cabra se assustou,

A tampa foi levantando

E o cabra foi perguntando:

-o sereno já passou?

 XVIII

Foi aquele reboliço

Em cima do caminhão,

O povo todo gritando

Na maior agitação,

Só via gente pulando

E o cabra se levantando

De dentro desse caixão.

XIX

Eu só sei que meu amigo

Era feio o destampido,

Cabra de perna quebrada

Outros sem o pé duvido,

E aquela multidão

Pulava do caminhão

No chão ficando estendido.

XX

Zé Preto o motorista

Olhou no retrovisor,

O povo todo no chão

Numa cena de horror,

Foi parando o caminhão

Pra saber que assombração

Causara grande terror.

 XXI

Os que escaparam são

Contaram o que sucedeu,

Zé Preto e seu João Costela

Quiseram rir mais não deu,

Pois com o povo ensangüentado

Não era nada engraçado

Rir do que aconteceu.

 XXII

Pra terminar esse fato

Numa boa gargalhada,

O caixão quando foi chegar

Já era de madrugada,

E o velho que tinha morrido

Tava lá envivecido

Sofreu somente uma parada.

 XXIII

E pra festejar o reingresso

Do morto que enviveceu,

Acenderam o lampião

A sanfona estremeceu,

O “véi” pulava que nem mola

E o forró comeu de esmola

Até que o dia amanheceu.

 

Poeta cordelista

Rena Bezerra

São José de Princesa - PB

 

 

 

 

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