terça-feira, 8 de agosto de 2023

 Charles Bezerra Cabral

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    Dando sequência a Literatura Cordelista, publicamos  mais um exemplar do primo poeta Rena Bezerra.

 

 

O MILHO PLANTADO EM 15
SÓ NASCEU NO 16.

 1

“O velho” Bernardo me contou

Que em 1915 não choveu

Uma semente por aqui sequer nasceu

Nem mesmo uma que seu primo lhe arrumou.

Era um milho do agreste que chegou

Trazido pelo bom Napoleão

Que queria implantar nesse sertão

Uma nova cultura resistente,

Pois trazia uma espécie de semente

Que enfrentava tempestade e sequidão.

 2

Napoleão filho de ‘Mané’ Praieiro

Pros parentes e aderentes trouxe um fardo

Mas o grosso ele deixou com Bernardo

Pois sabia do vigor desse roceiro.

No preparo do roçado foi ligeiro

Mas o tempo parecia indiferente

Mesmo assim foi plantada a semente

Palmo a palmo sem falhar nem uma cova,

E tudo foi na fase da lua nova

Que é sinal de um inverno diferente.

 3

Bernardo esperou pelo inverno

Mas um pingo de água não caía

A tristeza aumentava a cada dia

Trazendo-lhe um semblante nada terno.

O milho tão falado e tão moderno

Já na terra esperava uma neblina

Nem que fosse uma chuva mesmo fina

Para assim se fazer a gravidez,

O tempo vai passando de uma vez

E a semente fica ali, mas não germina.

 4

Em 1915 assim se fez

Uma seca inclemente e devastante

Só se via os bandos de retirante

Abandonando o sertão por uma vez.

Mas Bernardo esperou por 16

E o ano já entrou com outra cara

De repente muita chuva aqui dispara

Todo dia, toda hora sem parar,

O sertão veio enfim se alegrar

E o roceiro para a planta se prepara.

5

Todo mundo dessa nossa região

Que estava esperando pela chuva

Viu a própria se encaixar como uma luva

Que protege toda a palma da mão.

E assim foi embora a sequidão

O sertão teve alívio nessa hora

O caboclo muito alegre sem demora

Bota um riso estampado em sua cara,

Pega um facho bota fogo na coivara

Pois bem sabe que o inverno vem agora.

 6

A semente ta guardada La no silo

Tem feijão carioca e andu

Feijão ouro, chocha bunda, canapu

E a fava cearense com estilo.

Numa lata tem guardado mais de quilo

Com o milho que Napoleão deixou

Pois em 15 muita gente não plantou

E agora era a vez dela ir pro chão,

A semente que era revolução

E de longe por aqui ela chegou.

 7

Dessa forma todo o sítio Marinho

E os demais por aqui pelo Nordeste

Quando ver uma chuva logo investe

A plantar nem que seja um pouquinho.

Ninguém fica olhando para o vizinho

Esperando um cozido de feijão

Todo mundo vai pra roça em prontidão

Sem perder um instante do inverno,

Quando chove nossa mata veste o terno

E o roçado bem viçoso cobre o chão.

 8

E assim toda a comunidade

Bem ligeiro plantaram suas roças

Pois não tem teimosias iguais as nossas

Quando ver chovendo com vontade.

Nessa hora a esperança nos invade

Ninguém pensa no sofrer do outro ano

Que deixou o sertão no desengano

Sem chover uma gota pra molhar,

Sofrimento nunca é bom de recordar

É melhor traçar logo um novo plano.

 9

Dessa forma toda planta se espalha

E ficaram esperando o resultado

Só não via movimento de Bernardo

Pois o mesmo não moveu nem uma palha.

Sua roça destocada sem ter falha

Tava limpa desde o ano passado

Pois em 15 não tivemos chão molhado

Como era que nascia mato nela,

Só que tinha um segredo dentro dela

E Bernardo esperava o resultado.

 10

O segredo era o milho de Bernardo

Daquela semente tão falada

Que no ano de 15 foi plantada

Mas sem chuva não tinha germinado.

E que surpresa quando viram no roçado

Uma planta, no entanto muito nova

Seu Bernardo na palavra é uma prova

Que com chuva o melhor assim se fez,

A semente veio nascer em 16

Sem falhar nem um pé nem uma cova.


-FIM-


RENA BEZERRA
 (Baseada nos causos de Bernardino Araújo- 'o velho' Bernardo.)

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