Charles Bezerra Cabral
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87-9.9658.1350
Dando sequência a Literatura Cordelista, publicamos mais um exemplar do primo poeta Rena Bezerra.
O ENCONTRO DE LAMPIÃO
COM O CABOCLO MARCOLINO.
1
Em Patos de Irerê
De São José de Princesa,
Teve um fazendeiro forte
Homem de muita riqueza,
Era o coronel Marçal
Detentor e maioral
Das terras da redondeza.
2
Irerê que antigamente
A Princesa pertenceu,
E foi nesse tempo que
Muita coisa aconteceu,
Foi um passado brilhante
De um povo forte, marcante
Que naquele chão viveu.
3
Isso foi no século 20
No tempo dos maiorais,
O Coronel Marçal tinha
Diversos canaviais,
Que cobria toda a terra
Do sopé daquela serra
Junto com os cafezais.
4
Marçal Florentino Diniz
Tinha mais de uma fazenda
Nas terras pernambucanas
Abóboras sua maior prenda,
Era só pra criação
De boi que é sustentação
De parte da sua renda.
5
Tinha o Saco dos Caçulas
E a Manga outro cercado,
Toda Vila de Irerê
A serra do Pau Ferrado,
Engenho de rapadura
Era demais a fartura
Riqueza pra todo lado.
6
Ele casou com Doninha
E aumentou o seu paú,
Filha do coronel Marcolino
Trouxe ouro no baú,
Teve uma menina e um menino
Que se chamou Marcolino
E a menininha Xandu.
7
E foi assim que surgiu
O Marcolino Pereira,
Famoso na região
Por toda nossa ribeira,
Brigou na revolução
Mas mesmo sendo durão
Gostava de brincadeira.
8
O Coronel Marçal queria
Que ele fosse um doutor,
Mandou-lhe para Recife
Toda fé depositou,
Mas um contra tempo veio
Parou o estudo no meio
E seu sonho terminou.
9
Não chegou a se formar
No seu curso de direito,
Mas por Dr. Marcolino
O povo estufava o peito,
Ao se dirigir a ele
Com isso se via nele
Um homem bem satisfeito.
10
Marcolino era sobrinho
Do Coronel Zé Pereira,
E também era cunhado
Pois Xandu irmã primeira,
Casou-se com o coronel
Lhe jurando ser fiel
E pra sempre companheira.
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Vejam bem se me entendem
Esse negócio enrolado,
O Coronel Zé Pereira
De poderio afamado,
Tio de Xandu e Marcolino
Com seu Marçal Florentino
Sendo seu sogro e cunhado.
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Cunhado porque Doninha
Mulher do Coronel Marçal,
Era irmã de Zé Pereira
E achou tudo normal,
Ele casar com a sobrinha
Assim tudo se mantinha
Feito uma família real.
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Com tudo isso ainda tem
A segunda Xanduzinha,
Que casou com Marcolino
E de outra família vinha,
Eram duas “Xandu” agora
Uma filha e outra nora
De seu Marçal e Doninha.
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Tudo isso se passou
No tempo ficou marcado,
Em Patos de Irerê
Na fazenda Pau Ferrado,
Pertencente a seu Marçal
Que tinha no arraial
Fazenda por todo lado.
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A riqueza de seu pai
Marcolino comandou,
O controle das fazendas
Ele sempre organizou,
Mas com o passar dos anos
Teve mudança nos planos
E muita coisa mudou.
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Marcolino era um caboclo
Dum pensamento na frente,
Gostava de prosear
Era sagaz e valente,
Porém tinha um desagrado
As vezes mostrava um lado
Do tipo bem prepotente.
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E ele viveu sabendo
Que o coronel seu pai,
Acoitava Lampião
Quando este por ali sai,
E nas fazendas que havia
Lampião se escondia
Pois tudo ali lhe atrai.
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Lampião pelos ‘acoitos’
Foi sincero e foi gentil,
Para o Coronel Marçal
Que muito bem lhe serviu,
E disse: Precise de mim amigo
Quando estiver num perigo
Que eu venho correndo a mil.
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O sertão naquele tempo
Tudo era com retruco,
Marcolino e o guarda costas
Num bate boca maluco,
Da igreja bem ao lado
Discutiam com um magistrado
Em Triunfo Pernambuco.
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Por causa de uns festejos
Uma discussão banal,
Marcolino e Dr. Ulisses
Um juiz que afinal,
Devia ter outra queixa
Talvez até uma ‘reixa’
Para se passar a tal.
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Mas não demoraram muito
O pior aconteceu,
Começou o tiroteio
Triunfo toda tremeu,
Acertaram o magistrado
Qual tiro foi o culpado?
Marcolino ou ‘Tocha’ deu?
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Mesmo assim no chão ferido
O juiz também mirou,
No rumo de Marcolino
Que com tudo lhe acertou,
Foi preso ali onde estava
Enquanto o juiz tombava
E a morte ali lhe abraçou.
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E por causa dessa morte
Marcolino ficou preso,
‘Tocha’ o seu guarda costas
Que dali saiu ileso,
Fugiu com todo alarido
Mas Marcolino ferido
Foi correr mais ficou teso.
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Na cadeia de Triunfo
Marcolino foi detido,
Sem poder receber médico
Pra ver o lugar ferido,
Marcolino não se cala
Pois tava ferido a bala
Queria ser socorrido.
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Nisso o Coronel Marçal
Escreveu pra Lampião,
Com poucas linhas traçadas
Falou da situação,
E disse: Meu caro amigo
Marcolino ta em perigo
Tire ele da prisão!
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E Lampião ao saber
Da prisão de Marcolino,
Mandou levantar os cabras
João Dedé e Jesuíno,
Gitirana e Gavião
Jandaia, Gato e Balão
Luis Pedro e João Cirino.
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Também chamou Lavandeira
Sabonete e Zé Ferino,
Mergulhão, Moeda e Moita
Lua Branca e Ponto Fino,
Mandou chamar Zé Pequeno
Gritando pra Zé Sereno
Vamos soltar Marcolino!
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E chegando pra cidade
Foram logo pra cadeia,
A guarnição era pouca
A turma logo ‘arrudeia’,
O sargento bateu pino
Viu-se um cabo falar fino
E soldado apanhar de meia.
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Depois de tudo acertado
Lampião esvaziou,
A cadeia de Triunfo
Que Marcolino guardou,
Desmoralizou o estado
Foi preso pra todo lado
Todo mundo se mandou.
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O bando de Lampião
Mostrando que nunca atrasa,
No pingo do meio dia
O sol quente que nem brasa,
Libertaram Marcolino
E trouxeram esse ferino
Para se tratar em casa.
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Assim Lampião pagou
Um favor a seu Marçal,
Que ficou agradecido
De uma maneira tal,
Que ainda disse a Lampião:
Por aqui nesse rincão
Você é o maioral.
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Com tudo o tempo passou
Veio a revolução,
Aumentava os interesses
Por mais poder no sertão,
E o que também aumentava
Era a amizade que firmava
De Marcolino e Lampião.
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Na vilinha de Irerê
No meio de tanta rinha,
Existiam muitos casos
De amores eu sei que tinha,
Só nenhum foi da maneira
De Marcolino Pereira
Com seu amor Xanduzinha.
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E por aqui no sertão
A notícia se propaga,
O ‘Caboclo’ Marcolino
Nessa história se consagra,
E o grande Humberto Teixeira
Fez uma letra primeira
Para o rei Luiz Gonzaga.
35
“O caboclo Marcolino
Tinha oito boi zebu,
Uma casa com varanda
Dando pro norte e pro sul,
Seu paió tava cheinho
De feijão e de andu,
Sem contar com mais uns cobres
La no fundo do baú,
Marcolino dava tudo
Pelo o cheiro de Xandu”.
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Nessa vira volta toda
O rei do cangaço gera,
Amizade a Marcolino
Que admirava a fera,
Lampião ao visitar
Vinha beber e jogar
Na mesa grande que era.
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A mesa era na saída
Dum corredor bem aberto,
Lampião na cabeceira
Jogava e ficava esperto,
Marcolino na outra ponta
Olhava para dar conta
Se rondava alguém por perto.
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Qualquer suspeita que tinha
Marcolino dava o sinal,
Lampião por uma porta
Já saía no quintal,
Se despedia do amigo
Escapava do perigo
E entrava no matagal.
39
De vez em quando ele vinha
Pro jogo de carteado,
Pra visitar o amigo
Saber o que tem se passado,
Depois de se despedir
Partia para dormir
Na serra do Pau Ferrado.
40
Só o caboclo sabia
Da visita do amigo,
Pois Lampião não queria
Passar por nenhum perigo,
E não queria também
Que Marcolino fosse refém
E sofresse qualquer castigo.
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Na rota de Lampião
‘Os Pato’ era sua grei,
Fronteira com Pernambuco
Fácil de fugir da lei
E onde La encontrava
Amigos que o guardava
Adorando como um rei.
42
Em mais uma investida
Pras bandas de Conceição,
La na Serra das Panelas
Foi grande a concentração,
Que um prefeito arquitetou
E que quase exterminou
Com o bando de Lampião.
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Esse saiu baleado
Com um tiro no calcanhar,
Socorrido pelos outros
Sem poder nem caminhar,
Ficou no mato escondido
Com panos quentes mantido
Pra febre não lhe matar.
44
Lampião sem perder tempo
Da morte tirando um fino,
Mandou um jagunço seu
Por nome de Jesuíno,
Que fosse bater nos Patos
Relatar todos os fatos
Ao caboclo Marcolino.
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Assim sendo aconteceu
O jagunço se mandou,
Trouxe o recado ligeiro
A quem Lampião passou,
Dizendo: Seu Marcolino
Meu Capitão Virgulino
Pede socorro ao senhor.
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Então Marcolino agiu
E mandou para o resgate,
Sabino Gório e um grupo
Preparado pro combate,
Para tirar Lampião
Para a sua proteção
Depois dum pesado embate.
47
Tudo enfim correu seguro
Lampião foi resgatado,
La da Serra das Panelas
Onde ele foi alvejado,
Trazido pra irerê
Onde veio a receber
Um tratamento adequado.
48
Marcolino convocou
Dois médicos pra Lampião,
Dr. Severiano Diniz
Seu primo cirurgião,
E Dr., José Cordeiro
Que também era parceiro
Em qualquer situação.
49
Assim sendo medicado
Lampião agradeceu,
Aos médicos que o trataram
Que muita atenção lhe deu,
Também não se preocupou
Pois sabia que ficou
Guardado o segredo seu.
50
E assim a amizade
De Lampião e Marcolino,
Aumentou ainda mais
Fez-se um elo cristalino,
Parecendo na verdade
Uma tal cumplicidade
Traçada pelo destino.
51
Lampião partiu sem tino
Por esse sertão a fora,
De Pernambuco a Alagoas
Sergipe que sem demora,
Acolheu o cangaceiro
No seu adeus derradeiro
Na gruta da última hora.
52
Nessa gruta de Angicos
Apagaram Lampião,
Traído por um ‘coiteiro’
Que lhe dava proteção,
Mandou cachaça com vinho
Pro bando beber todinho
E cair no alçapão.
53
Com todos embriagados
Toda a polícia cercou,
De manhazinha chegaram
Que nem o mato chiou,
E viram Maria Bonita
Preparando na marmita
Café para seu amor.
54
Logo em seguida saiu
Lampião para o seu lado,
Quando chegou junto dela
Ligeiro foi alvejado,
E ali tudo acabou
O cangaço terminou
Lampião foi degolado.
55
Quando Marcolino soube
Da morte de Lampião,
Foi rezar na capelinha
Que é em frente ao casarão,
Pedir pela alma dele
Que interceda por ele
Santo São Sebastião.
56
O tempo foi se passando
Marcolino envelheceu,
Ficou um pouquinho surdo
O olho direito perdeu,
Herança do casarão
E o tempo sem ter perdão
Cobrou tudo o que é seu.
57
Em 21 de dezembro
De mil novecentos e oitenta,
Em Patos de Irerê
Marcolino complementa,
O ciclo da sua vida
E com a missão cumprida
A morte se apresenta.
58
Foi com 86 anos
Que Marcolino morreu,
Lampião com 38
A morte também bateu,
Dois homens de estardalhaço
No tempo que o cangaço
Teve aqui seu apogeu.
59
E aqui você viveu
Uma história de fascino,
Baseado em relatos
Que ouvi desde menino,
Falei com exatidão
Do encontro de Lampião
Com O Caboclo Marcolino.
Poeta Cordelista
Rena Bezerra
08/05/2015
São José de Princesa - PB
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