terça-feira, 8 de agosto de 2023

 Charles Bezerra Cabral

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    Dando sequência a Literatura Cordelista, publicamos  mais um exemplar do primo poeta Rena Bezerra.

 

O ENCONTRO DE LAMPIÃO

COM O CABOCLO MARCOLINO.

 1

Em Patos de Irerê

De São José de Princesa,

Teve um fazendeiro forte

Homem de muita riqueza,

Era o coronel Marçal

Detentor e maioral

Das terras da redondeza.

 2

Irerê que antigamente

A Princesa pertenceu,

E foi nesse tempo que

Muita coisa aconteceu,

Foi um passado brilhante

De um povo forte, marcante

Que naquele chão viveu.

 3

Isso foi no século 20

No tempo dos maiorais,

O Coronel Marçal tinha

Diversos canaviais,

Que cobria toda a terra

Do sopé daquela serra

Junto com os cafezais.

 4

Marçal Florentino Diniz

Tinha mais de uma fazenda

Nas terras pernambucanas

Abóboras sua maior prenda,

Era só pra criação

De boi que é sustentação

De parte da sua renda.

 5

Tinha o Saco dos Caçulas

E a Manga outro cercado,

Toda Vila de Irerê

A serra do Pau Ferrado,

Engenho de rapadura

Era demais a fartura

Riqueza pra todo lado.

 6

Ele casou com Doninha

E aumentou o seu paú,

Filha do coronel Marcolino

Trouxe ouro no baú,

Teve uma menina e um menino

Que se chamou Marcolino

E a menininha Xandu.

 7

E foi assim que surgiu

O Marcolino Pereira,

Famoso na região

Por toda nossa ribeira,

Brigou na revolução

Mas mesmo sendo durão

Gostava de brincadeira.

 8

O Coronel Marçal queria

Que ele fosse um doutor,

Mandou-lhe para Recife

Toda fé depositou,

Mas um contra tempo veio

Parou o estudo no meio

E seu sonho terminou.

 9

Não chegou a se formar

No seu curso de direito,

Mas por Dr. Marcolino

O povo estufava o peito,

Ao se dirigir a ele

Com isso se via nele

Um homem bem satisfeito.

 10

Marcolino era sobrinho

Do Coronel Zé Pereira,

E também era cunhado

Pois Xandu irmã primeira,

Casou-se com o coronel

Lhe jurando ser fiel

E pra sempre companheira.

 11

Vejam bem se me entendem

Esse negócio enrolado,

O Coronel Zé Pereira

De poderio afamado,

Tio de Xandu e Marcolino

Com seu Marçal Florentino

Sendo seu sogro e cunhado.

 12

Cunhado porque Doninha

Mulher do Coronel Marçal,

Era irmã de Zé Pereira

E achou tudo normal,

Ele casar com a sobrinha

Assim tudo se mantinha

Feito uma família real.

 13

Com tudo isso ainda tem

A segunda Xanduzinha,

Que casou com Marcolino

E de outra família vinha,

Eram duas “Xandu” agora

Uma filha e outra nora

De seu Marçal e Doninha.

 14

Tudo isso se passou

No tempo ficou marcado,

Em Patos de Irerê

Na fazenda Pau Ferrado,

Pertencente a seu Marçal

Que tinha no arraial

Fazenda por todo lado.

 15

A riqueza de seu pai

Marcolino comandou,

O controle das fazendas

Ele sempre organizou,

Mas com o passar dos anos

Teve mudança nos planos

E muita coisa mudou.

 16

Marcolino era um caboclo

Dum pensamento na frente,

Gostava de prosear

Era sagaz e valente,

Porém tinha um desagrado

As vezes mostrava um lado

Do tipo bem prepotente.

 17

E ele viveu sabendo

Que o coronel seu pai,

Acoitava Lampião

Quando este por ali sai,

E nas fazendas que havia

Lampião se escondia

Pois tudo ali lhe atrai.

 18

Lampião pelos ‘acoitos’

Foi sincero e foi gentil,

Para o Coronel Marçal

Que muito bem lhe serviu,

E disse: Precise de mim amigo

Quando estiver num perigo

Que eu venho correndo a mil.

 19

O sertão naquele tempo

Tudo era com retruco,

Marcolino e o guarda costas

Num bate boca maluco,

Da igreja bem ao lado

Discutiam com um magistrado

Em Triunfo Pernambuco.

 20

Por causa de uns festejos

Uma discussão banal,

Marcolino e Dr. Ulisses

Um juiz que afinal,

Devia ter outra queixa

Talvez até uma ‘reixa’

Para se passar a tal.

 21

Mas não demoraram muito

O pior aconteceu,

Começou o tiroteio

Triunfo toda tremeu,

Acertaram o magistrado

Qual tiro foi o culpado?

Marcolino ou ‘Tocha’ deu?

 22

Mesmo assim no chão ferido

O juiz também mirou,

No rumo de Marcolino

Que com tudo lhe acertou,

Foi preso ali onde estava

Enquanto o juiz tombava

E a morte ali lhe abraçou.

 23

E por causa dessa morte

Marcolino ficou preso,

‘Tocha’ o seu guarda costas

Que dali saiu ileso,

Fugiu com todo alarido

Mas Marcolino ferido

Foi correr mais ficou teso.

 24

Na cadeia de Triunfo

Marcolino foi detido,

Sem poder receber médico

Pra ver o lugar ferido,

Marcolino não se cala

Pois tava ferido a bala

Queria ser socorrido.

 25

Nisso o Coronel Marçal

Escreveu pra Lampião,

Com poucas linhas traçadas

Falou da situação,

E disse: Meu caro amigo

Marcolino ta em perigo

Tire ele da prisão!

 26

E Lampião ao saber

Da prisão de Marcolino,

Mandou levantar os cabras

João Dedé e Jesuíno,

Gitirana e Gavião

Jandaia, Gato e Balão

Luis Pedro e João Cirino.

 27

Também chamou Lavandeira

Sabonete e Zé Ferino,

Mergulhão, Moeda e Moita

Lua Branca e Ponto Fino,

Mandou chamar Zé Pequeno

Gritando pra Zé Sereno

Vamos soltar Marcolino!

 28

E chegando pra cidade

Foram logo pra cadeia,

A guarnição era pouca

A turma logo ‘arrudeia’,

O sargento bateu pino

Viu-se um cabo falar fino

E soldado apanhar de meia.

 29

Depois de tudo acertado

Lampião esvaziou,

A cadeia de Triunfo

Que Marcolino guardou,

Desmoralizou o estado

Foi preso pra todo lado

Todo mundo se mandou.

 30

O bando de Lampião

Mostrando que nunca atrasa,

No pingo do meio dia

O sol quente que nem brasa,

Libertaram Marcolino

E trouxeram esse ferino

Para se tratar em casa.

 31

Assim Lampião pagou

Um favor a seu Marçal,

Que ficou agradecido

De uma maneira tal,

Que ainda disse a Lampião:

Por aqui nesse rincão

Você é o maioral.

 32

Com tudo o tempo passou

Veio a revolução,

Aumentava os interesses

Por mais poder no sertão,

E o que também aumentava

Era a amizade que firmava

De Marcolino e Lampião.

 33

Na vilinha de Irerê

No meio de tanta rinha,

Existiam muitos casos

De amores eu sei que tinha,

Só nenhum foi da maneira

De Marcolino Pereira

Com seu amor Xanduzinha.

 34

E por aqui no sertão

A notícia se propaga,

O ‘Caboclo’ Marcolino

Nessa história se consagra,

E o grande Humberto Teixeira

Fez uma letra primeira

Para o rei Luiz Gonzaga.

 35

“O caboclo Marcolino

Tinha oito boi zebu,

Uma casa com varanda

Dando pro norte e pro sul,

Seu paió tava cheinho

De feijão e de andu,

Sem contar com mais uns cobres

La no fundo do baú,

Marcolino dava tudo

Pelo o cheiro de Xandu”.

 36

Nessa vira volta toda

O rei do cangaço gera,

Amizade a Marcolino

Que admirava a fera,

Lampião ao visitar

Vinha beber e jogar

Na mesa grande que era.

 37

A mesa era na saída

Dum corredor bem aberto,

Lampião na cabeceira

Jogava e ficava esperto,

Marcolino na outra ponta

Olhava para dar conta

Se rondava alguém por perto.

 38

Qualquer suspeita que tinha

Marcolino dava o sinal,

Lampião por uma porta

Já saía no quintal,

Se despedia do amigo

Escapava do perigo

E entrava no matagal.

 39

De vez em quando ele vinha

Pro jogo de carteado,

Pra visitar o amigo

Saber o que tem se passado,

Depois de se despedir

Partia para dormir

Na serra do Pau Ferrado.

 40

Só o caboclo sabia

Da visita do amigo,

Pois Lampião não queria

Passar por nenhum perigo,

E não queria também

Que Marcolino fosse refém

E sofresse qualquer castigo.

 41

Na rota de Lampião

‘Os Pato’ era sua grei,

Fronteira com Pernambuco

Fácil de fugir da lei

E onde La encontrava

Amigos que o guardava

Adorando como um rei.

 42

Em mais uma investida

Pras bandas de Conceição,

La na Serra das Panelas

Foi grande a concentração,

Que um prefeito arquitetou

E que quase exterminou

Com o bando de Lampião.

 43

Esse saiu baleado

Com um tiro no calcanhar,

Socorrido pelos outros

Sem poder nem caminhar,

Ficou no mato escondido

Com panos quentes mantido

Pra febre não lhe matar.

 44

Lampião sem perder tempo

Da morte tirando um fino,

Mandou um jagunço seu

Por nome de Jesuíno,

Que fosse bater nos Patos

Relatar todos os fatos

Ao caboclo Marcolino.

 45

Assim sendo aconteceu

O jagunço se mandou,

Trouxe o recado ligeiro

A quem Lampião passou,

Dizendo: Seu Marcolino

Meu Capitão Virgulino

Pede socorro ao senhor.

 46

Então Marcolino agiu

E mandou para o resgate,

Sabino Gório e um grupo

Preparado pro combate,

Para tirar Lampião

Para a sua proteção

Depois dum pesado embate.

 47

Tudo enfim correu seguro

Lampião foi resgatado,

La da Serra das Panelas

Onde ele foi alvejado,

Trazido pra irerê

Onde veio a receber

Um tratamento adequado.

 48

Marcolino convocou

Dois médicos pra Lampião,

Dr. Severiano Diniz

Seu primo cirurgião,

E Dr., José Cordeiro

Que também era parceiro

Em qualquer situação.

 49

Assim sendo medicado

Lampião agradeceu,

Aos médicos que o trataram

Que muita atenção lhe deu,

Também não se preocupou

Pois sabia que ficou

Guardado o segredo seu.

 50

E assim a amizade

De Lampião e Marcolino,

Aumentou ainda mais

Fez-se um elo cristalino,

Parecendo na verdade

Uma tal cumplicidade

Traçada pelo destino.

 51

Lampião partiu sem tino

Por esse sertão a fora,

De Pernambuco a Alagoas

Sergipe que sem demora,

Acolheu o cangaceiro

No seu adeus derradeiro

Na gruta da última hora.

 52

Nessa gruta de Angicos

Apagaram Lampião,

Traído por um ‘coiteiro’

Que lhe dava proteção,

Mandou cachaça com vinho

Pro bando beber todinho

E cair no alçapão.

 53

Com todos embriagados

Toda a polícia cercou,

De manhazinha chegaram

Que nem o mato chiou,

E viram Maria Bonita

Preparando na marmita

Café para seu amor.

 54

Logo em seguida saiu

Lampião para o seu lado,

Quando chegou junto dela

Ligeiro foi alvejado,

E ali tudo acabou

O cangaço terminou

Lampião foi degolado.

 55

Quando Marcolino soube

Da morte de Lampião,

Foi rezar na capelinha

Que é em frente ao casarão,

Pedir pela alma dele

Que interceda por ele

Santo São Sebastião.

 56

O tempo foi se passando

Marcolino envelheceu,

Ficou um pouquinho surdo

O olho direito perdeu,

Herança do casarão

E o tempo sem ter perdão

Cobrou tudo o que é seu.

 57

Em 21 de dezembro

De mil novecentos e oitenta,

Em Patos de Irerê

Marcolino complementa,

O ciclo da sua vida

E com a missão cumprida

A morte se apresenta.

 58

Foi com 86 anos

Que Marcolino morreu,

Lampião com 38

A morte também bateu,

Dois homens de estardalhaço

No tempo que o cangaço

Teve aqui seu apogeu.

 59

E aqui você viveu

Uma história de fascino,

Baseado em relatos

Que ouvi desde menino,

Falei com exatidão

Do encontro de Lampião

Com O Caboclo Marcolino.

 

Poeta Cordelista

Rena Bezerra

08/05/2015

São José de Princesa - PB

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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