Charles Bezerra Cabral
francisco.charles@ipa.br
87-9.9658.1350
Dando sequência a Literatura Cordelista, publicamos mais um exemplar do primo poeta Rena Bezerra.
O
VELHO BERNARDO,
E A ONÇA QUE FALAVA.
1
Hoje de manhã eu fui
La na Serra do Marinho,
Onde a brisa beija o rosto
E a paisagem faz seu ninho,
La o ar puro transborda
E de manhã se acorda
Com o canto dos passarinhos.
2
Que paisagem deslumbrante
Que imensidão tão linda,
Quanto mais se vê o belo
Mas tem muito belo ainda,
Tem mirante, tem farol
E à tardinha um arrebol
Que parece que não finda.
3
La tem o ponto mais alto
Onde dá pra ver Princesa,
Também dá para avistar
Cidades da redondeza,
Tudo é fenomenal
Um lugar de alto astral
Presente
da natureza.
4
Mas depois de tudo isso
Dessa narração simplória,
Quero dizer que o passeio
Teve outra trajetória,
Fui pra ser um felizardo
Ver se achava Bernardo
O contador de estória.
5
Pois eu subi ‘dicretado’
Pra casa dele somente,
De fama já conhecia
Faltava pessoalmente,
E quando por la cheguei
Muito me identifiquei
Com aquela gente decente.
6
Dona Mocinha saiu
Na porta pra receber,
Uma descendente nata
Do Quilombo eu pude ver,
Uma senhora guerreira
Esposa, mãe, companheira
Que ali vive com prazer.
7
Quando ela chegou pra mim
Me disse: - E é tu minino?
Eu disse: - Dona Mocinha
Eu vim aqui com destino,
De com Bernardo falar!
Ela disse: - Vou chamar!
- Tem visita Bernardino!!!
8
Era pelo sobrenome
(Era o nome de batismo)
Que sua mulher o chamava,
E saindo de uma roça
Bernardo se aproximava,
Enquanto Dona Mocinha
Com a educação que tinha
Um bom café preparava.
9
Botou na mesa o café
Chamou pra gente tomar,
Bernardo já me dizia
Antes de eu perguntar,
Que ali antigamente
Se via diariamente
Muita coisa de assombrar.
10
Depois do café tomado
Saímos para o terreiro,
Embaixo de um pé de figo
Ele sentou lisonjeiro,
É como se tirasse dele
A inspiração que ele
Procurava o tempo inteiro.
11
É cabra bom de palestra
De causos de assombração,
Das caçadas costumeiras
Das pegas de apartação,
Inventor de geringonça
Grande matador de onça
Dessas bandas do sertão.
12
E assim se deu um dia
Caçada sem ter tamanho,
Por faltar gado no pasto
Seu Bernardo achou estranho,
Foi tocaiar por capricho
Pra saber qual era o bicho
Tava acabando o rebanho.
13
Pegou a sua espingarda
Chamou o seu cão de caça,
E saíram em direção
Por aquela mata esparsa,
Para vê se afinal
Descobria que animal
Fazia aquela desgraça.
14
Ali marcou o local
A noite toda calado,
Somente o vento estrondava
Seu Marinho sossegado,
Mas quando foi de manhã
Sentiu balançar a chã
Indo em direção do gado.
15
E dali ele assistiu
A felina caçadora,
Dando um bote num bezerro
De forma avassaladora,
Sem ter qualquer reação
O bezerro fez-se então
Presa pra devoradora.
16
Bernardo sem ter
conversa
Pegou sua geringonça,
Era um ato corajoso
Atitude de responsa...
Ele pensou um instante:
-Eu não sou ignorante
Mas vou dar fim essa onça!
17
Aí foi grande a caçada
Daquela hora em diante,
Bernardo com seu cachorro
Perseguia a meliante,
O sol ainda dormia
Mas o Marinho assistia
Sem perder nem um instante.
18
O cão de caça na frente
Quem farejava o caminho,
Por onde tinha passado
Aquele enorme gatinho,
Que já sabia Bernardo
Que ele tinha levado
Do rebanho um bezerrinho.
19
A mata era fechada
Mas Bernardo conhecia,
Cada palmo dessa terra
Pois ali ele nascia,
La pela década de vinte
E assim, por conseguinte
Há anos ali vivia.
20
A onça na dianteira
Tentava se esconder,
Procurando um bom local
Pra sua presa comer,
Pois ela estava faminta
E nessa hora sucinta
Não ia a caça perder.
21
O sol já vinha raiando
Por cima da Serra Branca,
Embaixo dum imbuzeiro
Ele avistou a pelanca,
Da onça que tão voraz
Comia sem dar cartaz
A quem lhe queria a anca.
22
Quando ele mirou a arma
Bem na fuça da felina,
Ela pôs as mãos nos olhos
De maneira repentina,
E naquele disparate
Ela disse: - Não me mate
Eu sou mãe d’uma pequenina!
23
Quando Bernardo ouviu isso
A onça se retirou,
O velho ficou olhando
Depois a arma abaixou,
A danada bem faceira
Deu um pulo da barreira
E naquela mata entrou.
24
Bernardo não atirou
Ficou ali matutando
Naquela cena que viu
Pensou que tava sonhando,
Sentou-se embaixo de um pé
De figo velho que é
Seu confidente sobrando.
25
E nosso contador de causo
Num segundo esmoreceu,
Dizendo que é fim de era
Veja o que aconteceu:
-Nunca ouvi onça falando?
E o cachorro resmungando
Responde também: Nem eu!
FIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário