terça-feira, 8 de agosto de 2023

 Charles Bezerra Cabral

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    Dando sequência a Literatura Cordelista, publicamos  mais um exemplar do primo poeta Rena Bezerra.

 

 

O VELHO BERNARDO,
E A ONÇA QUE FALAVA.

 1

Hoje de manhã eu fui

La na Serra do Marinho,

Onde a brisa beija o rosto

E a paisagem faz seu ninho,

La o ar puro transborda

E de manhã se acorda

Com o canto dos passarinhos.

 2

Que paisagem deslumbrante

Que imensidão tão linda,

Quanto mais se vê o belo

Mas tem muito belo ainda,

Tem mirante, tem farol

E à tardinha um arrebol

Que parece que não finda.

3


La tem o ponto mais alto

Onde dá pra ver Princesa,

Também dá para avistar

Cidades da redondeza,

Tudo é fenomenal

Um lugar de alto astral

Presente da natureza.

4

Mas depois de tudo isso

Dessa narração simplória,

Quero dizer que o passeio

Teve outra trajetória,

Fui pra ser um felizardo

Ver se achava Bernardo

O contador de estória.

 5

Pois eu subi ‘dicretado’

Pra casa dele somente,

De fama já conhecia

Faltava pessoalmente,

E quando por la cheguei

Muito me identifiquei

Com aquela gente decente.

 6

Dona Mocinha saiu

Na porta pra receber,

Uma descendente nata

Do Quilombo eu pude ver,

Uma senhora guerreira

Esposa, mãe, companheira

Que ali vive com prazer.

 7

Quando ela chegou pra mim

Me disse: - E é tu minino?

Eu disse: - Dona Mocinha

Eu vim aqui com destino,

De com Bernardo falar!

Ela disse: - Vou chamar!

- Tem visita Bernardino!!!

 8

Era pelo sobrenome

(Era o nome de batismo)

Que sua mulher o chamava,

E saindo de uma roça

Bernardo se aproximava,

Enquanto Dona Mocinha

Com a educação que tinha

Um bom café preparava.

 9

Botou na mesa o café

Chamou pra gente tomar,

Bernardo já me dizia

Antes de eu perguntar,

Que ali antigamente

Se via diariamente

Muita coisa de assombrar.

 10

Depois do café tomado

Saímos para o terreiro,

Embaixo de um pé de figo

Ele sentou lisonjeiro,

É como se tirasse dele

A inspiração que ele

Procurava o tempo inteiro.

 11

É cabra bom de palestra

De causos de assombração,

Das caçadas costumeiras

Das pegas de apartação,

Inventor de geringonça

Grande matador de onça

Dessas bandas do sertão.

 12


E assim se deu um dia

Caçada sem ter tamanho,

Por faltar gado no pasto

Seu Bernardo achou estranho,

Foi tocaiar por capricho

Pra saber qual era o bicho

Tava acabando o rebanho.

 13

Pegou a sua espingarda

Chamou o seu cão de caça,

E saíram em direção

Por aquela mata esparsa,

Para vê se afinal

Descobria que animal

Fazia aquela desgraça.

 14

Ali marcou o local

A noite toda calado,

Somente o vento estrondava

Seu Marinho sossegado,

Mas quando foi de manhã

Sentiu balançar a chã

Indo em direção do gado.

15
E dali ele assistiu

A felina caçadora,

Dando um bote num bezerro

De forma avassaladora,

Sem ter qualquer reação

O bezerro fez-se então

Presa pra devoradora.

16


Bernardo sem ter conversa

Pegou sua geringonça,

Era um ato corajoso

Atitude de responsa...

Ele pensou um instante:

-Eu não sou ignorante

Mas vou dar fim essa onça!

17

Aí foi grande a caçada

Daquela hora em diante,

Bernardo com seu cachorro

Perseguia a meliante,

O sol ainda dormia

Mas o Marinho assistia

Sem perder nem um instante.

 18

O cão de caça na frente

Quem farejava o caminho,

Por onde tinha passado

Aquele enorme gatinho,

Que já sabia Bernardo

Que ele tinha levado

Do rebanho um bezerrinho.

 19

A mata era fechada

Mas Bernardo conhecia,

Cada palmo dessa terra

Pois ali ele nascia,

La pela década de vinte

E assim, por conseguinte

Há anos ali vivia.

 20

A onça na dianteira

Tentava se esconder,

Procurando um bom local

Pra sua presa comer,

Pois ela estava faminta

E nessa hora sucinta

Não ia a caça perder.

 21

O sol já vinha raiando

Por cima da Serra Branca,

Embaixo dum imbuzeiro

Ele avistou a pelanca,

Da onça que tão voraz

Comia sem dar cartaz

A quem lhe queria a anca.

 22

Quando ele mirou a arma

Bem na fuça da felina,

Ela pôs as mãos nos olhos

De maneira repentina,

E naquele disparate

Ela disse: - Não me mate

Eu sou mãe d’uma pequenina!

 23

Quando Bernardo ouviu isso

A onça se retirou,

O velho ficou olhando

Depois a arma abaixou,

A danada bem faceira

Deu um pulo da barreira

E naquela mata entrou.

 24

Bernardo não atirou

Ficou ali matutando

Naquela cena que viu

Pensou que tava sonhando,

Sentou-se embaixo de um pé

De figo velho que é

Seu confidente sobrando.

 25

E nosso contador de causo

Num segundo esmoreceu,

Dizendo que é fim de era

Veja o que aconteceu:

-Nunca ouvi onça falando?

E o cachorro resmungando

Responde também: Nem eu!



FIM

 

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