Charles Bezerra Cabral
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87-9.9658.1350
Dando sequência a Literatura Cordelista, publicamos mais um exemplar do primo poeta Rena Bezerra.
O CANGACEIRO MEIA-NOITE:
“Bravura, amor, ódio e Traição”
(Autor: Rena Bezerra)
Poeta e professor
1
Antonio Augusto Feitosa
‘Meia-Noite’ seu criado,
Era assim que o cangaceiro
Tinha sido batizado,
Um mulato destemido
Nesse sertão conhecido
Era muito respeitado.
2
Nasceu em 1902
Em Olho D’água do Casado,
Em terras Alagoanas
Ali ele foi criado,
Por lá cresceu com a fama
De ser ligeiro na rama
Dum cabra desassombrado.
3
Extremamente valente
Brigava sem ter cansaço,
Nas abas daquela serra
Era o dono do pedaço,
E nas passagens de Lampião
Por aquela região
Ele ingressou no cangaço.
4
Daí pra frente o cangaço
Aumentou seu contingente,
E nele sempre a escrita
De obedecer à patente,
Do Capitão Virgulino
Que tinha que ser ferino
Traquejador e valente.
5
Ele recebeu essa alcunha
Por andar nas madrugadas,
Quase sempre a meia noite
Pra armar suas emboscadas,
Se escondendo da polícia
Sem dar nenhuma notícia
Fazendo suas presepadas.
6
Em 1924
Lampião e todo o bando,
Estavam todos na área
Com Marcolino apoiando,
Lampião tava ferido
Dum tiroteio ocorrido
Vinha se recuperando.
7
Entre um intervalo e outro
Os cangaceiros saíam,
Iam para o Sítio Pedra
E por lá se divertiam,
Na casa de uns amigos
De Marcolino e Domingos
Que muito bem lhe acolhiam.
8
Essa noite era animada
Na base do sanfoneiro,
A festa corria solta
Dentro e fora no terreiro,
Era um momento de prazer
Um instante de lazer
Do bando dos cangaceiros.
9
E foi numa festa dessas
Que ‘Meia-Noite’ avistou,
Alexandrina uma cabocla
Que logo lhe enfeitiçou,
E a paixão desses dois
Não ficou para depois
Logo se sacramentou.
10
Os pais dela não aceitaram
E logo disseram não,
Mas seria só vontade
Para dar-lhe proteção,
Alexandrina nem ligou
E com ‘Meia-Noite’ seu amor
Fugiu por esse sertão.
11
Num clima de romantismo
‘Meia-Noite’ se alojou,
Na serra da Tataíra
Pra uma noite de amor,
Com a sua Alexandrina
Que naquela hora domina
Uma fera sem temor.
12
Nisso um dia Lampião
Recebeu um portador,
La da região de Sousa
Chico Pereira mandou
Pra ele ir resolver
Uma questão, pra fazer
Pagar quem lhe humilhou.
13
Lampião pra lá mandou
Seus irmãos de confiança,
Antonio e Levino Ferreira
‘Meia-Noite’ foi na dança,
Para atender ao pedido
Do amigo enfurecido
Que só pensava em vingança.
14
Só que Lampião não sabia
Que estava desapontando,
O Coronel Zé Pereira
Que ‘coito’ tava lhe dando,
E Sousa sendo atacada
Por aí tava acabada
A proteção ao seu bando.
15
Lá no ataque de Sousa
Humilharam um magistrado,
Casas foram incendiadas
O comércio saqueado,
Foi grande a destruição
Que naquela região
Ainda hoje é lembrado.
16
Depois de tudo acabado
Os cangaceiros partiram,
Para o lugar onde estavam
Que antes se reuniram,
E no caminho acamparam
Beberam mais, se armaram
E o dinheiro dividiram.
17
Já chegando na fazenda
Onde estava Lampião,
Resolveram se arranchar,
Festejar a ocasião,
‘Meia-Noite’ cochilou
E quando se acordou
Foi alvo de um ladrão.
18
Mas ele sem perder tempo
Foi apontando com o dedo,
Que foi Antonio e Levino
Pra isso não tem segredo,
E já de fuzil na mão
Apontou para os irmãos
Sem ter um pingo de medo.
19
Lampião entra no meio
Para a coisa amenizar,
Os nove contos de réis
Ele resolveu pagar,
Mas ‘Meia-Noite’ irado
Com seu fuzil apontado
Pôs Lampião recuar.
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‘Lua Branca’ quem contou
La ele estava presente,
Todo mundo se calou
Vendo aquele clima quente,
Com ‘Meia-Noite’ apontando
Seu fuzil manuseando
Para Lampião na frente.
21
Lampião não se mexeu
Pois ele o admirava,
Cabra valente com ele
Um grande ponto ganhava,
Apesar de transtornado
Ficou calmo ali parado
Vendo o desfecho que dava.
22
Sem ter muito que fazer
Lampião não se mexia,
Com ‘Meia-Noite’ na frente
Que nem o olho batia,
E os outros de mãos atadas
Sem poderem fazer nada
Se não Lampião morria.
23
Naquele desfecho todo
Ficou assim acertado,
Lampião o convenceu
De pagar o combinado,
Mas ele não ia mais
Fazer parte dos demais
Por ele ali comandado.
24
‘Meia-Noite’ foi expulso
Do bando de Lampião,
Saiu procurando rumo
Uma nova direção,
Pois ele bem conhecia
As trilhas pra onde ia
As veredas do sertão.
25
Como era perto dalí
‘Meia-Noite’ procurou,
Voltar para a Tataíra
Fazenda que lá deixou,
Sua paixão cravejada
Pois é lá que ta guardada
Alexandrina seu amor.
26
Cangaceiro também ama
Isso já foi comprovado,
Muitos desses já andavam
Com uma mulher de lado,
Até mesmo Lampião
Entregou seu coração
Pra morena do condado.
27
‘Meia-Noite’ chega silente
Na casa de sua amada,
A lua clareava a noite
Numa linda madrugada,
Chamou por Alexandrina
E essa assim na surdina
Abriu a porta da morada.
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A noite foi uma criança
E a lua foi testemunha,
Do enlace desses dois
Que parecia enxada e cunha,
Amor dum macho com fêmea
Feito um pro outro, alma gêmea
Unha e carne e carne e unha.
29
Ali na sua vivenda
Buscavam tranquilidade,
Um bom lugar pra se esconder,
Bem distante da cidade,
De todo mundo escondido
Foi certo assim escolhido
Pela visibilidade.
30
Nisso toda a polícia
Já rondava a região,
Em busca dos cangaceiros
Do bando de Lampião,
Pelos ataques em Sousa
Não restando outra ‘cousa’
A não ser perseguição.
31
E nessa devastação
‘Meia-Noite’ tinha ido,
Lá fizeram tanta maldade
Sem precisão, sem sentido,
Que correu o sertão inteiro
Como o caso mais desordeiro
Nesse Nordeste ocorrido.
32
Por isso que pressas bandas
O povo tava avistando,
‘Meia-Noite’ bem armado
Sempre de lugar trocando,
Com o seu fuzil na mão
Pistola, punhal. Facão
Bem atento circulando.
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Alexandrina bem armada
Com o seu rifle alemão,
Junto de seu companheiro
Dava sempre guarnição,
Aprendeu bem o manejo
O caquiado, o traquejo
Pra escapar no sertão.
34
‘Meia-Noite’ sempre dizia
Por toda essa ribeira,
Que essa perseguição
Que só lhe dava canseira,
Ela vinha dos ‘guariba’
Polícia da Paraíba
E do Coronel Zé Pereira.
35
E mesmo assim ‘Meia-Noite’
Com Alexandrina lá,
Viviam naquela serra
Sem ninguém se aproximar,
Fronteira de grande sulco
Paraíba e Pernambuco
Tataíra era o lugar.
36
Para ter tudo em silencio
E todos serem fiéis,
‘Meia-Noite’ nem brigava
Nem invertia os papéis,
Era tudo controlado
O seu silêncio comprado
Por muitos contos de réis.
37
Mas um cabra delatou
Foi contar a Zé Pereira,
Onde ‘Meia-Noite’ estava
Com a sua companheira,
E o Coronel sem demora
Mandou reunir na hora
Doze ‘cabras’ de primeira.
38
Manoel Virgulino era
Do coronel confiar,
E ele mandou que fosse
A Tataíra buscar,
O mulato ‘Meia-Noite’
Na bala, pau, no açoite
Botasse pra arregaçar.
39
E ainda ordenou mais:
-traga ele vivo ou morto,
Amarrado numa estaca
Estirado ou todo torto,
O que eu quero é ele aqui
Para a gente conferir
E sair do desconforto.
40
Manoel Virgulino segue
De Princesa com a tropa,
Saíram à noite porque
Pela estrada ninguém topa,
Gente andando no caminho
Ou um mensageiro sozinho
Que em seu cavalo galopa.
41
As quatro da madrugada
Eles chegaram ao Saco,
Lugar de difícil acesso
Na estrada só buraco,
E na casa do ferreiro
Zé André também armeiro
Chegaram quebrando os ‘caco’.
42
Bateram forte na porta
O ferreiro logo abriu,
Foram também perguntando
Se ‘Meia-Noite’ ele viu,
E Zé André assustado
Disse um não, desconfiado
E o grupo todo partiu.
43
Sem ter nenhum resultado
Do Saco o grupo partira,
Calibrando suas armas
Dos rifles limpando a mira,
Para o próximo paradeiro
Do valente cangaceiro
La no sítio Tataíra.
44
Quando a volante chegou
Na Tataíra afinal,
Bateram de porta em porta
Procurando pelo tal,
Os moradores assustados
Não ‘dedava’ os procurados
Pra não sofrer nenhum mal.
45
Andaram umas vinte casas
Só restava a derradeira,
Que ficava em um morro
Perto de uma barreira,
Bem perto da casa tinha
Uma casa de farinha
E na frente uma palmeira.
46
A casa era bem fornida
De parede alta e grossa,
A outra ficava ao lado
Quase dentro de uma roça,
Era de fazer farinha
Que segurava e mantinha
O povo que lá se esforça.
47
A posição dessas casas
Pra quem já tava era boa,
Só com uma porta e janela
Onde só cabe uma pessoa,
De cima a gente avistava
Quem vinha e se aproximava
Pois tinha visão da proa.
48
‘Meia-Noite’ tão sagaz
Quando viu logo o que vinha,
Saiu da casa maior
Foi pra casa de farinha,
Porque La só com uma porta
A posição lhe conforta
E proteção melhor tinha.
49
Os cabras do coronel
A casa toda cercou,
Bateram palmas na porta
Tudo então silenciou,
Com uma voz estridente
Perguntaram se tem gente
La dentro alguém resmungou.
50
Uma mulher respondeu
De dentro do velho vão,
Alguém de lá perguntou
Se ela dava permissão,
Para entrar em sua vivenda:
Uma voz de dentro emenda
Falando alto que não.
51
Pois ela era sozinha
E de idade avançada,
Queria saber quem vinha
Visitar sua morada,
-É gente de Zé Pereira?
Me diga sua cabroeira
Eita raça mais safada!
52
A voz era ‘Meia-Noite’
Que estava disfarçado,
Se passando por idosa
Querendo ter resultado,
Mas não adiantava nada
Pois ali em sua morada
Já tava tudo cercado.
53
Ele não perdeu mais tempo
Começou logo atirar,
Era atirando e gritando
Palavrões de arrepiar,
Enquanto uma voz pedia
Em tom de autonomia
Para ele se entregar.
54
‘Meia-Noite’ respondia
Daqui eu não me retiro,
Num vou nem morto nem vivo
Quem vim aqui leva tiro,
Vou atirar sem parar
Só vou deixar de brigar
Depois do último suspiro.
55
Mas essa brigada toda
Tava muito desigual,
‘Meia-Noite’ e Alexandrina
Contra um sortido arsenal,
E mesmo assim sem ter medo
‘Meia-Noite’ aperta o dedo
Deixando o combate igual.
56
Foi certo e ficou sabido
Que Alexandrina não atirava,
Apenas seu companheiro
Que ela municiava,
‘Meia-Noite’ era feroz
No gatilho era veloz
O seu dedo não parava.
57
Era um cabra estrategista
Sabia como ninguém,
Que a turma da volante
Não sabe de onde ele vem,
E gritou para o comando:
-Se prepare que meu bando
Vai lhe atacar também.
58
Nisso Manoel Virgulino
Dividiu sua volante,
Pra cercar assim melhor
A casa do meliante,
Deixando mais prolongado
Pra ver se o cabra cansado
Se entrega a qualquer instante.
59
Pela madrugada a fora
O tiroteio ocorreu,
Já tava raiando o dia
Quando um fato aconteceu,
‘Meia-Noite- ali pedia
Para dar-lhe garantia
A Alexandrina o amor seu.
60
Manoel Virgulino deu
E também lhe oferecia,
Que ele se entregando
De nada lhe acontecia,
Apenas ia ser preso
Saindo dali ileso
Para a cadeia seguia.
61
‘Meia-Noite’ não topou
Só Alexandrina Vieira,
Saía daquela casa
Sem saber a companheira,
Que ali era o último açoite
Que ela via “Meia-Noite”
Pro resto da vida inteira.
62
Já era de manhãzinha
A turma toda de pé,
Quando se ouviu uma corneta
Fazendo aquele ‘trupé’,
Tenente Manoel Benício
Em tempo certo e propício
Com Clementino Quelé.
63
Só que eles estavam distantes
Estavam do outro lado,
Da Serra da Tataíra
Pra Serra do Pau Ferrado,
Só se viesse voando
Porque pra vim caminhando
Iriam andar um ‘bocado’.
64
Bem assim aconteceu
Toda a volante viera,
Por cima daquela serra
Que muito o terreno altera,
A trilha na mata bruta
E depois de toda luta
Enfrentar ainda a fera.
65
Com os doze que já tinha
Completou oitenta e quatro,
Mas a população dizia
Não saber o número exato,
Dos soldados que atiravam
E os outros que cercavam
Toda a casa e aquele mato.
66
Mas ‘Meia-Noite’ sozinho
Segurou todo o rojão,
Os policiais disseram
Que apesar da tensão,
Tanto o negro atirava
Fazia versos, cantava
E soltava palavrão.
67
Ele diminuiu os disparos
Para vencer o cansaço,
Pois dentro daquela casa
Era demais o mormaço,
E pra suportar um fuzil
O cabra tem que ser viril
Dedo rápido e bom de braço.
69
De balas o cangaceiro
Ele tava bem munido,
Para o seu rifle e o fuzil
Tava tudo garantido,
De vez em quando atirava
Quando algum se aproximava
Do seu lugar escondido.
70
Mas por parte da volante
O tiroteio não cessava,
Nos quatro cantos da casa
Toda a milícia atirava,
Foi quando que o cangaceiro
Alarmou para o terreiro
Que tudo ali terminava.
71
‘Meia-Noite’ gritou alto
Que não ia mais brigar,
Pois não agüentava mais
Tava pronto pra parar,
Nisso todos aguardassem
Os armamentos baixassem
Que ele iria se entregar.
72
Ficou aquele silêncio
Meio a toda escuridão,
Lá no meio do terreiro
Viu-se pular um negão,
Toda a polícia atirou
Naquele corpo mirou
Deixando um furo no chão.
73
Deram uns quinhentos tiros
Que a fumaça tapou,
Depois de alguns minutos
Quando a poeira baixou,
Veja só que belo plano:
Era um tamborete com um pano
E ‘Meia-Noite’ escapou.
74
Enquanto eles atiravam
No tamborete ao terreiro,
‘Meia-Noite’ escapuliu
Nisso o negro era ligeiro,
Depois desceu a ladeira
Pra se embrenhar na madeira
Zunindo no tabuleiro.
75
Mas um soldado por fora
Que lá de longe assistia,
Ele viu que ‘Meia-Noite’
Daquele cerco saía,
Na mais pura exatidão
Acertou de mosquetão
‘Meia-Noite’ que fugia.
76
O tiro acertou a perna
Mas ele se levantou,
Tinha uma cerca de pedra
Que ele também pulou,
No meio de tantos tiros
Ele fugiu dando giros
Dessa emboscada escapou.
77
A tropa se retirou
Não foram mais procurar,
Mesmo ‘Meia-Noite’ estando
Ferido pra caminhar,
Pois a polícia entendia
Que ele bem conhecia
Cada pedra do lugar.
78
Na trilha da sua fuga
‘Meia-Noite’ encontrou,
Um velho seu conhecido
Honesto e trabalhador,
E ele do bolso mina
Um dinheiro pra Alexandrina
Entregando ao portador.
79
Entregou e disse mais
Ao amigo mensageiro:
- Entregue tudo a Alexandrina
Seja um portador ligeiro,
E não encontrando ela
Não precisa ter dó dela
Pode ficar com o dinheiro.
80
O portador não achou
Alexandrina tava presa,
Entregue as autoridades
Na cidade de Princesa,
Sozinha sem ter ninguém
Da polícia era refém
Era uma mulher indefesa.
81
Nisso ‘Meia-Noite’ foi
Vagando sem paradeiro,
Com a perna baleada
Procurando um curandeiro,
Lá no Saco dos Caçulas
Depois de muitas ‘firulas’
Soube de um raizeiro.
82
O agricultor Zé Sabino
Ajudou o cangaceiro,
Levando a Manoel Lopes
‘Ronco Grosso’ o raizeiro,
Que no seu entendimento
Lavou todo o ferimento
Com casca de cajueiro.
83
‘Ronco Grosso’ ficou sabendo
Da polícia ali por perto,
Retirando ‘Meia-Noite’
Para um local deserto,
Uma gruta num serrote
Onde lá só dava o bote
Quem sabia o lugar certo.
84
‘Ronco Grosso’ não sabia
Que o Coronel Zé Pereira,
Tinha mandado seus homens
Para caçar de maneira,
Que do cabra ‘Meia-Noite’
Não ficasse nem o açoite
Da sua alma guerreira.
85
Logo depois de esconder
Seu amigo lá no mato,
‘Ronco Grosso’ foi falar
Com Zé Pereira de um fato,
Que tava lhe perturbando
Era a polícia rondando
Já tinha ouvido o boato.
86
Zé Pereira resolveu
A queixa de ‘Ronco Grosso’,
E disse: Não se preocupe
Não cri nenhum alvoroço,
Que eu garanto pra você
Nada vai lhe acontecer
Pode deixar de ‘sombrosso’.
87
Nisso ‘Ronco Grosso’ conta
Que tava ajudando um amigo,
Que estava baleado
Por conta do inimigo,
Que ‘Meia-Noite’ era o tal
Chegou lá passando mal
Mas ta fora de perigo.
88
Aí foi quando Zé Pereira
Disse com exatidão,
Que queria ele morto
Para cumprir uma missão,
Punindo quem destruiu
Quem saqueou, invadiu
Sousa no alto sertão.
89
João Bezerra era quem levava
A ‘Meia-Noite’ a comida,
Levava água também
Remédio para a ferida,
O cangaceiro agradecia
Dizendo João: Algum dia
Eu vou sair dessa vida.
90
Mas numa noite daquelas
Que nem o vento soprava,
A janta de seu amigo
‘Ronco Grosso’ quem levava,
Na fenda daquela rocha
‘Meia-Noite’ quando viu “Tocha”
Da cena desconfiava.
91
E ‘Meia-Noite’ na hora
Falou sem tutubeiar:
- Obrigado pela comida
Eu não quero mais jantar,
Veja o que destino fez
Eu confiando em vocês
E vieram me matar!
92
Nisso foi logo levando
A mão na câmara do fuzil,
Manuseando sua arma
Que a bala chega ringiu,
E ‘Tocha’ mais ‘Ronco Grosso’
Disseram:- Que alvoroço!
O que foi que você viu?
93
Nisso o negro descuidou-se
Quando os dois fingem partir,
Botou a arma de lado
Pensando nada existir,
Só que era tarde demais
Ronco Grosso foi sagaz
Virou-se pra lhe atingir.
94
Mas mesmo assim baleado
Pulou de dentro da gruta,
Com sua arma na mão
Se preparando pra luta,
Mas não deu tempo pra nada
Levou foi mais uma rajada
Caindo na pedra bruta.
95
Não tinha como escapar
A descarga foi certeira,
No corpo de ‘Meia-Noite’
Que ali ficou na pedreira,
‘Ronco Grosso’ quem o fez
Pra servir mais uma vez
Ao Coronel Zé Pereira.
96
Deixaram o seu corpo lá
Enterrado numa cova,
Já tava pronto o serviço
Fizeram bem a desova,
E meio aquele escarcéu
Levaram pro coronel
As orelhas como prova.
97
Depois de tudo acabado
Mandaram soltar Zulmira,
E essa voltou uns dias
Pra serra da Tataíra,
Depois no Saco passou
O seu pai lhe abençoou
E ela de lá partira.
98
‘Meia-Noite’ deixou um filho
Guardado no ventre dela,
E ela estando com medo
De sofrer qualquer querela,
Partiu pra Campina Grande
Onde muito se expande
Longe de toda novela.
99
Se soube que ela casou
Novamente e bem se deu,
Mas que não teve mais filho
Somente o do amor seu,
E na serra da Borborema
Viveu sem ter mais problemas
Ficou velhinha e morreu.
100
Notícias desse menino
De ‘Meia-Noite e Zulmira,
Nunca ninguém soube dar
Nem também me admira,
Pois no meio de tanto amor
Não sei se sua mãe contou
O que se deu na Tataíra.
101
Falei aqui no cordel
Do valente ‘Meia-Noite,
De Zulmira seu amor
De ‘Ronco Grosso’ no ‘coite’,
Do coronel Zé Pereira
De Virgulino Ferreira
O vento que dava açoite.
102
São fatos que sempre ouvi
E sempre me encheu de brilho.
De Manoel Lopes ‘Ronco Grosso’
Contados por Lopes Filho,
De Antonio de Zé de Mocinha
Que contou bem contadinha
Sem ter nenhum empecilho.
103
Juntei também alguns fatos
Rostand Medeiros narrou,
José Romero Cardoso
Outro notável escritor,
E por fim essa história
Espero ser satisfatória
Para agradar ao leitor.
104
Tudo isso se passou
Nada aqui foi inventado,
Quem discordar fique ‘quéto’
Não venha com pé quebrado,
E termino sempre dizendo
Que todos continuem lendo
Cordel e muito obrigado.
FIM
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