terça-feira, 8 de agosto de 2023

 Charles Bezerra Cabral

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    Dando sequência a Literatura Cordelista, publicamos  mais um exemplar do primo poeta Rena Bezerra.

 

 

O CANGACEIRO MEIA-NOITE:

“Bravura, amor, ódio e Traição”

 

(Autor: Rena Bezerra)

Poeta e professor

 

1

Antonio Augusto Feitosa

‘Meia-Noite’ seu criado,

Era assim que o cangaceiro

Tinha sido batizado,

Um mulato destemido

Nesse sertão conhecido

Era muito respeitado.

 

2

Nasceu em 1902

Em Olho D’água do Casado,

Em terras Alagoanas

Ali ele foi criado,

Por lá cresceu com a fama

De ser ligeiro na rama

Dum cabra desassombrado.

 

3

Extremamente valente

Brigava sem ter cansaço,

Nas abas daquela serra

Era o dono do pedaço,

E nas passagens de Lampião

Por aquela região

Ele ingressou no cangaço.

 

4

Daí pra frente o cangaço

Aumentou seu contingente,

E nele sempre a escrita

De obedecer à patente,

Do Capitão Virgulino

Que tinha que ser ferino

Traquejador e valente.

 

5

Ele recebeu essa alcunha

Por andar nas madrugadas,

Quase sempre a meia noite

Pra armar suas emboscadas,

Se escondendo da polícia

Sem dar nenhuma notícia

Fazendo suas presepadas.

 

6

Em 1924

Lampião e todo o bando,

Estavam todos na área

Com Marcolino apoiando,

Lampião tava ferido

Dum tiroteio ocorrido

Vinha se recuperando.

 

7

Entre um intervalo e outro

Os cangaceiros saíam,

Iam para o Sítio Pedra

E por lá se divertiam,

Na casa de uns amigos

De Marcolino e Domingos

Que muito bem lhe acolhiam.

 

8

Essa noite era animada

Na base do sanfoneiro,

A festa corria solta

Dentro e fora no terreiro,

Era um momento de prazer

Um instante de lazer

Do bando dos cangaceiros.

 

9

E foi numa festa dessas

Que ‘Meia-Noite’ avistou,

Alexandrina  uma cabocla

Que logo lhe enfeitiçou,

E a paixão desses dois

Não ficou para depois

Logo se sacramentou.

 

10

Os pais dela não aceitaram

E logo disseram não,

Mas seria só vontade

Para dar-lhe proteção,

Alexandrina  nem ligou

E com ‘Meia-Noite’ seu amor

Fugiu por esse sertão.

 

11

Num clima de romantismo

‘Meia-Noite’ se alojou,

Na serra da Tataíra

Pra uma noite de amor,

Com a sua Alexandrina

Que naquela hora domina

Uma fera sem temor.

 

12

Nisso um dia Lampião

Recebeu um portador,

La da região de Sousa

Chico Pereira mandou

Pra ele ir resolver

Uma questão, pra fazer

Pagar quem lhe humilhou.

 

13

Lampião pra lá mandou

Seus irmãos de confiança,

Antonio e Levino Ferreira

‘Meia-Noite’ foi na dança,

Para atender ao pedido

Do amigo enfurecido

Que só pensava em vingança.

 

14

Só que Lampião não sabia

Que estava desapontando,

O Coronel Zé Pereira

Que ‘coito’ tava lhe dando,

E Sousa sendo atacada

Por aí tava acabada

A proteção ao seu bando.

 

15

Lá no ataque de Sousa

Humilharam um magistrado,

Casas foram incendiadas

O comércio saqueado,

Foi grande a destruição

Que naquela região

Ainda hoje é lembrado.

 

16

Depois de tudo acabado

Os cangaceiros partiram,

Para o lugar onde estavam

Que antes se reuniram,

E no caminho acamparam

Beberam mais, se armaram

E o dinheiro dividiram.

 

17

Já chegando na fazenda

Onde estava Lampião,

Resolveram se arranchar,

Festejar a ocasião,

‘Meia-Noite’ cochilou

E quando se acordou

Foi alvo de um ladrão.

 

18

Mas ele sem perder tempo

Foi apontando com o dedo,

Que foi Antonio e Levino

Pra isso não tem segredo,

E já de fuzil na mão

Apontou para os irmãos

Sem ter um pingo de medo.

 

19

Lampião entra no meio

Para a coisa amenizar,

Os nove contos de réis

Ele resolveu pagar,

Mas ‘Meia-Noite’ irado

Com seu fuzil apontado

Pôs Lampião recuar.

 

20

‘Lua Branca’ quem contou

La ele estava presente,

Todo mundo se calou

Vendo aquele clima quente,

Com ‘Meia-Noite’ apontando

Seu fuzil manuseando

Para Lampião na frente.

 

21

Lampião não se mexeu

Pois ele o admirava,

Cabra valente com ele

Um grande ponto ganhava,

Apesar de transtornado

Ficou calmo ali parado

Vendo o desfecho que dava.

 

22

Sem ter muito que fazer

Lampião não se mexia,

Com ‘Meia-Noite’ na frente

Que nem o olho batia,

E os outros de mãos atadas

Sem poderem fazer nada

Se não Lampião morria.

 

23

Naquele desfecho todo

Ficou assim acertado,

Lampião o convenceu

De pagar o combinado,

Mas ele não ia mais

Fazer parte dos demais

Por ele ali comandado.

 

24

‘Meia-Noite’ foi expulso

Do bando de Lampião,

Saiu procurando rumo

Uma nova direção,

Pois ele bem conhecia

As trilhas pra onde ia

As veredas do sertão.

 

25

Como era perto dalí

‘Meia-Noite’ procurou,

Voltar para a Tataíra

Fazenda que lá deixou,

Sua paixão cravejada

Pois é lá que ta guardada

Alexandrina seu amor.

 

26

Cangaceiro também ama

Isso já foi comprovado,

Muitos desses já andavam

Com uma mulher de lado,

Até mesmo Lampião

Entregou seu coração

Pra morena do condado.

 

27

‘Meia-Noite’ chega silente

Na casa de sua amada,

A lua clareava a noite

Numa linda madrugada,

Chamou por Alexandrina

E essa assim na surdina

Abriu a porta da morada.

 

28

A noite foi uma criança

E a lua foi testemunha,

Do enlace desses dois

Que parecia enxada e cunha,

Amor dum macho com fêmea

Feito um pro outro, alma gêmea

Unha e carne e carne e unha.

 

 

29

Ali na sua vivenda

Buscavam tranquilidade,

Um bom lugar pra se esconder,

Bem distante da cidade,

De todo mundo escondido

Foi certo assim escolhido

Pela visibilidade.

 

30

Nisso toda a polícia

Já rondava a região,

Em busca dos cangaceiros

Do bando de Lampião,

Pelos ataques em Sousa

Não restando outra ‘cousa’

A não ser perseguição.

 

31

E nessa devastação

‘Meia-Noite’ tinha ido,

Lá fizeram tanta maldade

Sem precisão, sem sentido,

Que correu o sertão inteiro

Como o caso mais desordeiro

Nesse Nordeste ocorrido.

 

32

Por isso que pressas bandas

O povo tava avistando,

‘Meia-Noite’ bem armado

Sempre de lugar trocando,

Com o seu fuzil na mão

Pistola, punhal. Facão

Bem atento circulando.

 

33

Alexandrina  bem  armada

Com o seu rifle alemão,

Junto de seu companheiro

Dava sempre guarnição,

Aprendeu bem o manejo

O caquiado, o traquejo

Pra escapar no sertão.

 

34

‘Meia-Noite’ sempre dizia

Por toda essa ribeira,

Que essa perseguição

Que só lhe dava canseira,

Ela vinha dos ‘guariba’

Polícia da Paraíba

E do Coronel Zé Pereira.

 

35

E mesmo assim ‘Meia-Noite’

Com Alexandrina lá,

Viviam naquela serra

Sem ninguém  se aproximar,

Fronteira de grande sulco

Paraíba e Pernambuco

Tataíra era o lugar.

 36

Para ter tudo em silencio

E todos serem fiéis,

‘Meia-Noite’ nem brigava

Nem invertia os papéis,

Era tudo controlado

O seu silêncio comprado

Por muitos contos de réis.

 37

Mas um cabra delatou

Foi contar a Zé Pereira,

Onde ‘Meia-Noite’ estava

Com a sua companheira,

E o Coronel sem demora

Mandou reunir na hora

Doze ‘cabras’ de primeira.

 38

Manoel Virgulino era

Do coronel confiar,

E ele mandou que fosse

A Tataíra buscar,

O mulato ‘Meia-Noite’

Na bala, pau, no açoite

Botasse pra arregaçar.

 39

E ainda ordenou mais:

-traga ele vivo ou morto,

Amarrado numa estaca

Estirado ou todo torto,

O que eu quero é ele aqui

Para a gente conferir

E sair do desconforto.

 40

Manoel Virgulino segue

De Princesa com a tropa,

Saíram à noite porque

Pela estrada ninguém topa,

Gente andando no caminho

Ou um mensageiro sozinho

Que em seu cavalo galopa.

 41

As quatro da madrugada

Eles chegaram ao Saco,

Lugar de difícil acesso

Na estrada só buraco,

E na casa do ferreiro

Zé André também armeiro

Chegaram quebrando os ‘caco’.

 42

Bateram forte na porta

O ferreiro logo abriu,

Foram também perguntando

Se ‘Meia-Noite’ ele viu,

E Zé André assustado

Disse um não, desconfiado

E o grupo todo partiu.

 43

Sem ter nenhum resultado

Do Saco o grupo partira,

Calibrando suas armas

Dos rifles limpando a mira,

Para o próximo paradeiro

Do valente cangaceiro

La no sítio Tataíra.

 44

Quando a volante chegou

Na Tataíra afinal,

Bateram de porta em porta

Procurando pelo tal,

Os moradores assustados

Não ‘dedava’ os procurados

Pra não sofrer nenhum mal.

 45

Andaram umas vinte casas

Só restava a derradeira,

Que ficava em um morro

Perto de uma barreira,

Bem perto da casa tinha

Uma casa de farinha

E na frente uma palmeira.

 46

A casa era bem fornida

De parede alta e grossa,

A outra ficava ao lado

Quase dentro de uma roça,

Era de fazer farinha

Que segurava e mantinha

O povo que lá se esforça.

 47

A posição dessas casas

Pra quem já tava era boa,

Só com uma porta e janela

Onde só cabe uma pessoa,

De cima a gente avistava

Quem vinha e se aproximava

Pois tinha visão da proa.

 48

‘Meia-Noite’ tão sagaz

Quando viu logo o que vinha,

Saiu da casa maior

Foi pra casa de farinha,

Porque La só com uma porta

A posição lhe conforta

E proteção melhor tinha.

 49

Os cabras do coronel

A casa toda cercou,

Bateram palmas na porta

Tudo então silenciou,

Com uma voz estridente

Perguntaram se tem gente

La dentro alguém resmungou.

 50

Uma mulher respondeu

De dentro do velho vão,

Alguém de lá perguntou

Se ela dava permissão,

Para entrar em sua vivenda:

Uma voz de dentro emenda

Falando alto que não.

 51

Pois ela era sozinha

E de idade avançada,

Queria saber quem vinha

Visitar sua morada,

-É gente de Zé Pereira?

Me diga sua cabroeira

Eita raça mais safada!

 52

A voz era ‘Meia-Noite’

Que estava disfarçado,

Se passando por idosa

Querendo ter resultado,

Mas não adiantava nada

Pois ali em sua morada

Já tava tudo cercado.

 53

Ele não perdeu mais tempo

Começou logo atirar,

Era atirando e gritando

Palavrões de arrepiar,

Enquanto uma voz pedia

Em tom de autonomia

Para ele se entregar.

 54

‘Meia-Noite’ respondia

Daqui eu não me retiro,

Num vou nem morto nem vivo

Quem vim aqui leva tiro,

Vou atirar sem parar

Só vou deixar de brigar

Depois do último suspiro.

 55

Mas essa brigada toda

Tava muito desigual,

‘Meia-Noite’ e Alexandrina

Contra um sortido arsenal,

E mesmo assim sem ter medo

‘Meia-Noite’ aperta o dedo

Deixando o combate igual.

 56

Foi certo e ficou sabido

Que Alexandrina não atirava,

Apenas seu companheiro

Que ela municiava,

‘Meia-Noite’ era feroz

No gatilho era veloz

O seu dedo não parava.

 57

Era um cabra estrategista

Sabia como ninguém,

Que a turma da volante

Não sabe de onde ele vem,

E gritou para o comando:

-Se prepare que meu bando

Vai lhe atacar também.

58

Nisso Manoel Virgulino

Dividiu sua volante,

Pra cercar assim melhor

A casa do meliante,

Deixando mais prolongado

Pra ver se o cabra cansado

Se entrega a qualquer instante.

 59

Pela madrugada a fora

O tiroteio ocorreu,

Já tava raiando o dia

Quando um fato aconteceu,

‘Meia-Noite- ali pedia

Para dar-lhe garantia

A Alexandrina o amor seu.

 60

Manoel Virgulino deu

E também lhe oferecia,

Que ele se entregando

De nada lhe acontecia,

Apenas ia ser preso

Saindo dali ileso

Para a cadeia seguia.

 61

‘Meia-Noite’ não topou

Só Alexandrina Vieira,

Saía daquela casa

Sem saber a companheira,

Que ali era o último açoite

Que ela via “Meia-Noite”

Pro resto da vida inteira.

 62

Já era de manhãzinha

A turma toda de pé,

Quando se ouviu uma corneta

Fazendo aquele ‘trupé’,

Tenente Manoel Benício

Em tempo certo e propício

Com Clementino Quelé.

 63

Só que eles estavam distantes

Estavam do outro lado,

Da Serra da Tataíra

Pra Serra do Pau Ferrado,

Só se viesse voando

Porque pra vim caminhando

Iriam andar um ‘bocado’.

 64

Bem assim aconteceu

Toda a volante viera,

Por cima daquela serra

Que muito o terreno altera,

A trilha na mata bruta

E depois de toda luta

Enfrentar ainda a fera.

 65

Com os doze que já tinha

Completou oitenta e quatro,

Mas a população dizia

Não saber o número exato,

Dos soldados que atiravam

E os outros que cercavam

Toda a casa e aquele mato.

 66

Mas ‘Meia-Noite’ sozinho

Segurou todo o rojão,

Os policiais disseram

Que apesar da tensão,

Tanto o negro atirava

Fazia versos, cantava

E soltava palavrão.

 67

Ele diminuiu os disparos

Para vencer o cansaço,

Pois dentro daquela casa

Era demais o mormaço,

E pra suportar um fuzil

O cabra tem que ser viril

Dedo rápido e bom de braço.

 69

De balas o cangaceiro

Ele tava bem munido,

Para o seu rifle e o fuzil

Tava tudo garantido,

De vez em quando atirava

Quando algum se aproximava

Do seu lugar escondido.

 70

Mas por parte da volante

O tiroteio não cessava,

Nos quatro cantos da casa

Toda a milícia atirava,

Foi quando que o cangaceiro

Alarmou para o terreiro

Que tudo ali terminava.

 71

‘Meia-Noite’ gritou alto

Que não ia mais brigar,

Pois não agüentava mais

Tava pronto pra parar,

Nisso todos aguardassem

Os armamentos baixassem

Que ele iria se entregar.

 72

Ficou aquele silêncio

Meio a toda escuridão,

Lá no meio do terreiro

Viu-se pular um negão,

Toda a polícia atirou

Naquele corpo mirou

Deixando um furo no chão.

 73

Deram uns quinhentos tiros

Que a fumaça tapou,

Depois de alguns minutos

Quando a poeira baixou,

Veja só que belo plano:

Era um tamborete com um pano

E ‘Meia-Noite’ escapou.

 74

Enquanto eles atiravam

No tamborete ao terreiro,

‘Meia-Noite’ escapuliu

Nisso o negro era ligeiro,

Depois desceu a ladeira

Pra se embrenhar na madeira

Zunindo no tabuleiro.

 75

Mas um soldado por fora

Que lá de longe assistia,

Ele viu que ‘Meia-Noite’

Daquele cerco saía,

Na mais pura exatidão

Acertou de mosquetão

‘Meia-Noite’ que fugia.

 76

O tiro acertou a perna

Mas ele se levantou,

Tinha uma cerca de pedra

Que ele também pulou,

No meio de tantos tiros

Ele fugiu dando giros

Dessa emboscada escapou.

 77

A tropa se retirou

Não foram mais procurar,

Mesmo ‘Meia-Noite’ estando

Ferido pra caminhar,

Pois a polícia entendia

Que ele bem conhecia

Cada pedra do lugar.

 78

Na trilha da sua fuga

‘Meia-Noite’ encontrou,

Um velho seu conhecido

Honesto e trabalhador,

E ele do bolso mina

Um dinheiro pra Alexandrina

Entregando ao portador.

 79

Entregou e disse mais

Ao amigo mensageiro:

- Entregue tudo a Alexandrina

Seja um portador ligeiro,

E não encontrando ela

Não precisa ter dó dela

Pode ficar com o dinheiro.

 80

O portador não achou

Alexandrina tava presa,

Entregue as autoridades

Na cidade de Princesa,

Sozinha sem ter ninguém

Da polícia era refém

Era uma mulher indefesa.

 81

Nisso ‘Meia-Noite’ foi

Vagando sem paradeiro,

Com a perna baleada

Procurando um curandeiro,

Lá no Saco dos Caçulas

Depois de muitas ‘firulas’

Soube de um raizeiro.

 82

O agricultor Zé Sabino

Ajudou o cangaceiro,

Levando a Manoel Lopes

‘Ronco Grosso’ o raizeiro,

Que no seu entendimento

Lavou todo o ferimento

Com casca de cajueiro.

 83

‘Ronco Grosso’ ficou sabendo

Da polícia ali por perto,

Retirando ‘Meia-Noite’

Para um local deserto,

Uma gruta num serrote

Onde lá só dava o bote

Quem sabia o lugar certo.

 84

‘Ronco Grosso’ não sabia

Que o Coronel Zé Pereira,

Tinha mandado seus homens

Para caçar de maneira,

Que do cabra ‘Meia-Noite’

Não ficasse nem o açoite

Da sua alma guerreira.

 85

Logo depois de esconder

Seu amigo lá no mato,

‘Ronco Grosso’ foi falar

Com Zé Pereira de um fato,

Que tava lhe perturbando

Era a polícia rondando

Já tinha ouvido o boato.

 86

Zé Pereira resolveu

A queixa de ‘Ronco Grosso’,

E disse: Não se preocupe

Não cri nenhum alvoroço,

Que eu garanto pra você

Nada vai lhe acontecer

Pode deixar de ‘sombrosso’.

 

87

Nisso ‘Ronco Grosso’ conta

Que tava ajudando um amigo,

Que estava baleado

Por conta do inimigo,

Que ‘Meia-Noite’ era o tal

Chegou lá passando mal

Mas ta fora de perigo.

 88

Aí foi quando Zé Pereira

Disse com exatidão,

Que queria ele morto

Para cumprir uma missão,

Punindo quem destruiu

Quem saqueou, invadiu

Sousa no alto sertão.

 89

João Bezerra era quem levava

A ‘Meia-Noite’ a comida,

Levava água também

Remédio para a ferida,

O cangaceiro agradecia

Dizendo João: Algum dia

Eu vou sair dessa vida.

 90

Mas numa noite daquelas

Que nem o vento soprava,

A janta de seu amigo

‘Ronco Grosso’ quem levava,

Na fenda daquela rocha

‘Meia-Noite’ quando viu “Tocha”

Da cena desconfiava.

 91

E ‘Meia-Noite’ na hora

Falou sem tutubeiar:

- Obrigado pela comida

Eu não quero mais jantar,

Veja o que destino fez

Eu confiando em vocês

E vieram me matar!

 92

Nisso foi logo levando

A mão na câmara do fuzil,

Manuseando sua arma

Que a bala chega ringiu,

E ‘Tocha’ mais ‘Ronco Grosso’

Disseram:- Que alvoroço!

O que foi que você viu?

 93

Nisso o negro descuidou-se

Quando os dois fingem partir,

Botou a arma de lado

Pensando nada existir,

Só que era tarde demais

Ronco Grosso foi sagaz

Virou-se pra lhe atingir.

 94

Mas mesmo assim baleado

Pulou de dentro da gruta,

Com sua arma na mão

Se preparando pra luta,

Mas não deu tempo pra nada

Levou foi mais uma rajada

Caindo na pedra bruta.

 95

Não tinha como escapar

A descarga foi certeira,

No corpo de ‘Meia-Noite’

Que ali ficou na pedreira,

‘Ronco Grosso’ quem o fez

Pra servir mais uma vez

Ao Coronel Zé Pereira.

 96

Deixaram o seu corpo lá

Enterrado numa cova,

Já tava pronto o serviço

Fizeram bem a desova,

E meio aquele escarcéu

Levaram pro coronel

As orelhas como prova.

 97

Depois de tudo acabado

Mandaram soltar Zulmira,

E essa voltou uns dias

Pra serra da Tataíra,

Depois no Saco passou

O seu pai lhe abençoou

E ela de lá partira.

 98

‘Meia-Noite’ deixou um filho

Guardado no ventre dela,

E ela estando com medo

De sofrer qualquer querela,

Partiu pra Campina Grande

Onde muito se expande

Longe de toda novela.

 99

Se soube que ela casou

Novamente e bem se deu,

Mas que não teve mais filho

Somente o do amor seu,

E na serra da Borborema

Viveu sem ter mais problemas

Ficou velhinha e morreu.

 100

Notícias desse menino

De ‘Meia-Noite e Zulmira,

Nunca ninguém soube dar

Nem também me admira,

Pois no meio de tanto amor

Não sei se sua mãe contou

O que se deu na Tataíra.

 101

Falei aqui no cordel

Do valente ‘Meia-Noite,

De Zulmira seu amor

De ‘Ronco Grosso’ no ‘coite’,

Do coronel Zé Pereira

De Virgulino Ferreira

O vento que dava açoite.

 102

São fatos que sempre ouvi

E sempre me encheu de brilho.

De Manoel Lopes ‘Ronco Grosso’

Contados por Lopes Filho,

De Antonio de Zé de Mocinha

Que contou bem contadinha

Sem ter nenhum empecilho.

 103

Juntei também alguns fatos

Rostand Medeiros narrou,

José Romero Cardoso

Outro notável escritor,

E por fim essa história

Espero ser satisfatória

Para agradar ao leitor.

 104

Tudo isso se passou

Nada aqui foi inventado,

Quem discordar fique ‘quéto’

Não venha com pé quebrado,

E termino sempre dizendo

Que todos continuem lendo

Cordel e muito obrigado.

FIM

 

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