Charles Bezerra Cabral
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DEUS SALVE O NORDESTE E A NÓS TAMBÉM!
IVANILDO PEREIRA DANTAS – TÉC. AGRÍCOLA E ESCRITOR
12 DE NOVEMBRO/2015
NÃO É NADA DE APOCALIPSE NEM INVENÇÃO MINHA ...
Referência
da Pesquisa, parte do artigo de: Robério Paulino, economista e professor do
Depto. de Políticas Públicas da UFRN. Ex-candidato a prefeito de Natal pelo
PSOL e militante da LSR - 06 de maio de 2013
|
OS
NÚMEROS DA TRAGÉDIA SILENCIOSA
Pesquisa
feita em parceria pela Universidade de São Paulo e pela Secretaria de
Agricultura de Pernambuco mostra que 50% das propriedades rurais do sertão e
do agreste nordestinos dependem de carro-pipa para conseguir água e que 17%
delas fecharam as porteiras por causa da seca — a maior na região em
cinquenta anos.
O rebanho
bovino pernambucano foi reduzido a quase a metade: de 2,1 milhões
de cabeças de gado, 200 mil morreram, 300 mil foram
transferidas para outras regiões e 500 mil foram abatidas
precocemente.
Com
isso, a produção de leite caiu de 2,4 milhões para 600 mil litros por dia.
Vários estados do Nordeste brasileiro viveram nos
últimos 15 meses uma tragédia. Foi a pior seca dos últimos 50 anos, se forem
levados em conta apenas os índices de incidência de chuvas.
No Rio Grande do Norte, março de 2013 foi o mês
de março com menos chuva em cem anos, com apenas 26,5 mm de média mensal. Na
Bahia, em Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, mais
de 1900 cidades declararam estado de emergência. Dez milhões de pessoas foram
afetadas, especialmente a população e os sitiantes mais pobres.
UMA TRAGÉDIA SILENCIOSA
Mapeamento
feito por satélite lança alerta para o fenômeno da desertificação, que já
atinge uma área de 230 mil km2 no Nordeste Como se não bastasse a falta de
chuvas, o Brasil vê se alastrar no Nordeste um fenômeno ainda mais grave: a
desidratação do solo a tal ponto que, em última instância, pode torná-lo
imprestável. Um novo mapeamento feito por satélite pelo Laboratório de
Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de
Alagoas (Lapis), que cruzou dados de presença de vegetação com índices de
precipitação ao longo dos últimos 25 anos, até abril passa do, mostra que a
região tem hoje 230 mil km2 de terras atingidas de forma grave ou muito grave
pelo fenômeno.A área degradada ou em alto risco de degradação é maior do que
o estado do Ceará. Hoje, o Ministério do Meio Ambiente reconhece quatro
núcleos de desertificação no semiárido brasileiro. Somados, os núcleos de
Irauçuba (CE), Gilbués (PI), Seridó (RN e PB) e Cabrobó (PE) atingem 18.177
km2 e afetam 399 mil pessoas.Num artigo assinado por cinco pesquisadores do
Instituto Nacional do Semiárido (Insa), do Ministério da Ciência e Tecnologia,
são listados seis núcleos, o que aumenta a área em estado mais avançado de
desertificação para 55.236 km2, afetando 750 mil brasileiros.
Os dois
núcleos identificados pelos pesquisadores do Insa são o do Sertão do São
Francisco, na Bahia, e o do Cariris Velhos, na Paraíba, estado que tem 54,88%
de seu território classificado em alto nível de desertificação.Trata-se de um
prolongamento que une o núcleo do Seridó à microrregião de Patos, passando
pela dos Cariris Velhos. Apenas na microrregião de Patos, 74,99% das terras
estão em alto nível de desertificação, segundo dados do Programa Estadual de
Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca da Paraíba. O
fenômeno destrói grande parte da economia rural da região, trazendo imensos
prejuízos para as principais fontes de renda como a pecuária e as lavouras de
milho, feijão, mandioca e até a agroindústria da cana de açúcar, no litoral.
A produção de leite pode ter caído a 20% da média anual. Muitas áreas sofrem
agudos processos de desertificação.
A seca
aprofunda a desigualdade entre as regiões do país, atrasando a economia e
elevando a pobreza no Nordeste. Ao fim da seca, a região poderá ter perdido
até 40% de seu rebanho bovino, cerca de 29,5 milhões de cabeças em 2011,
segundo o IBGE. Um prejuízo estrutural e duradouro, que levará décadas para
ser recuperado. A visão de milhares de carcaças de animais mortos à beira das
estradas impressiona profundamente a qualquer um. Com o maior grau de
mobilidade de transportes entre o campo e a cidade hoje existente e os
programas de transferência de renda, a população humana consegue se salvar.
Muitas famílias abandonaram suas casas e roças e foram para as cidades. O
sofrimento dos animais, entretanto, que não têm para onde correr para comer e
beber no meio do ambiente seco e escaldante, é comovedor. No passado, as
secas matavam gente e bichos. Hoje matam apenas os animais, mas trazem imenso
sofrimento e prejuízos aos homens. O cenário da seca é de dor e aflição.
Remédios paliativos
Ao contrário das grandes secas do passado, que
geravam imensos êxodos humanos em direção às cidades, os efeitos da seca
atual são minimizados pela existência da aposentadoria rural, uma conquista
inserida na Constituição de 1988; pelos programas de transferência de renda,
como o Bolsa Família e a distribuição de cestas básicas. Mas os efeitos da
atual estiagem só provam como estes programas são apenas remédios paliativos
para um organismo doente, pois não atacam e mantêm os grandes fatores
estruturais que alimentam a pobreza no Nordeste e no país: a concentração da
renda e da terra e a falta de investimentos realmente estruturais para
enfrentar os problemas. Isso além de inibirem a mobilização e a organização
social das comunidades fragilizadas, através das práticas clientelistas e assistencialistas
dos corruptos grupos políticos locais, associados ao governo federal.
As famílias sobrevivem com esses programas de
transferência de renda, mas já não podem plantar, veem a mata sumir, os rios
secarem, o gado morrer, o ambiente se degradar. O feijão e até a farinha de
mandioca, comprados nos mercados, tiveram que vir de fora, revelando a real
insegurança alimentar na região. Torna-se evidente que estes programas são
incapazes de impedir que a economia rural sofra um verdadeiro colapso durante
essas longas estiagens. Em períodos difíceis como o atual, a população apenas
sobrevive, ou faz de conta que vive, olhando para o céu, esperando pela chuva
ou por um carro-pipa.
“Indústria da seca”
A estiagem também alimenta o que se convencionou
chamar de “indústria da seca”. Nesses períodos, grupos econômicos e políticos
locais tiram proveito do flagelo da região em benefício próprio. Ajudados
pela mídia, que divulga situações de calamidade pública, a conservadora elite
latifundiária local consegue substanciais ajudas do Estado, como anistia ou
refinanciamento de dívidas, renegociação de empréstimos e verbas de
emergência, que dificilmente beneficiam o pequeno produtor, ficando com os
maiores proprietários. As verbas públicas são usadas muitas vezes para
construção de açudes e projetos de irrigação que beneficiam apenas os
próprios grupos dirigentes. Além disso, os pequenos proprietários de terra e
gado vendem grande parte de suas terras ou de seus rebanhos a preços
subavaliados, para não o verem morrer, já que um carro-pipa de água chega a
custar até R$ 180,00. A “indústria da seca” só eterniza os problemas e eleva
a concentração de renda.
A responsabilidade por essa situação não é apenas
da Natureza, mas sim dos governos e dos medíocres grupos capitalistas
nacionais e locais. A sensação da população é de quase abandono, descaso,
inação por parte dos governos federal e estaduais. Eles apenas mantém vivas e
controladas as populações, com bolsas, carros-pipa e cestas básicas, mas
alocam recursos mínimos para medidas realmente estruturais de convivência no
semiárido brasileiro. O projeto de transposição das águas do Rio São
Francisco, por exemplo, que supostamente poderia aliviar a situação, anda a
passo de tartaruga e os canais, antes mesmo de concluídos, já apresentam
inúmeros problemas.
Prioridades perversas
Para que se tenha um parâmetro de comparação,
apenas no primeiro semestre de 2013, segundo dados divulgados pelo próprio
governo federal, o BNDES entregou 37 bilhões de reais de dinheiro público
para as grandes empresas no Brasil. Já a Dívida Pública Federal consumirá 47%
do Orçamento Geral da União de 2013, algo como 600 bilhões de reais. Enquanto
isso, Dilma Rousseff veio ao Nordeste nos últimos dias anunciar que gastou em
2012 algo como 500 milhões de reais em carros-pipa, como se isso fosse muita
coisa, e que vai alocar para a seca na região até 9 bilhões de reais.
“Deus sabe
lá quando”, dizem alguns.
Se a redução das chuvas no Nordeste em
certos períodos é um evento climático até certo ponto natural, influenciado
por fenômenos distantes, que alteram a pressão atmosférica e a temperatura
das águas no Pacífico Equatorial, como a “célula de Walker” ou o “El nino”,
suas consequências não são nada naturais. A ideia de que a menor incidência
de chuvas e a seca são os principais responsáveis pela miséria e pelo atraso
social na região precisa ser desmistificada. Esses fatores estão presentes em
muitas outras regiões do planeta, onde chove menos que aqui e nem por isso as
populações são tão pobres. Quase trinta por cento da população da Austrália
vive muito bem em fazendas na sua porção desértica, onde chove menos que no
Nordeste brasileiro, estocando e administrando cientificamente a água da
chuva. Aquele país tem um dos maiores IDHs do mundo. Israel é outro exemplo
de como se pode usar a tecnologia para plantar e colher frutas e legumes em
regiões mais secas que o semiárido brasileiro.
Existem alternativas
Muitas seriam as alternativas para não só
conviver no semiárido fazendo a pequena produção de subsistência, algo que
deve ser superado, pois é uma visão quase feudal, mas produzindo grandes
excedentes que possam dinamizar a economia rural da região e acabar com a
pobreza. A forma prioritária de estocagem da água em açudes e barreiros,
sujos e contaminados por doenças, e onde até 90% da água evapora, está
totalmente equivocada. A proposta do INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais),
feita há décadas, é estocar a água dentro de cada propriedade, através de
grandes placas coletoras e cisternas limpas, não só dos pequenos telhados das
casinhas do interior nordestino, como hoje faz o governo federal, ainda assim
de forma insuficiente. A precipitação média no Nordeste é superior ao deserto
australiano e permitiria estocar muita água para os anos mais secos. A Petrobras
também tem tecnologia para perfurar poços que cheguem ao grande aquífero que
existe sob a região. A água do mar poderia ser dessalinizada e bombeada para
o interior, como faz a Arábia Saudita, o mesmo podendo ser feito com as águas
dos rios que deságuam no litoral. Tudo isso permitiria a agricultura
irrigada, livrando a região da pobreza secular e do assistencialismo. Como se
vê, as medidas poderiam ser muitas.
Os problemas do Nordeste e do Brasil são outros.
Residem na concentração da terra, da riqueza e da renda, na falta de uma
verdadeira reforma agrária, que mesmo os países capitalistas mais avançados
fizeram e o Brasil nunca fez, na falta de investimentos realmente estruturais
para acabar com a pobreza na região e no país. Tudo isso tem uma explicação
de fundo: a mentalidade tacanha, medíocre, conservadora, quase feudal de
nossas oligarquias empresariais e rurais, que cumprem um papel nefasto para a
região e para o país. O verdadeiro problema do Nordeste chama-se capitalismo,
ainda mais em um país atrasado e periférico no sistema mundial. Nossa tarefa
é mobilizar e esclarecer a população acerca deste estado de coisas.
Repensar a atuação sobre o planeta
Está claro também que é preciso repensar a
própria ação humana sobre o planeta e a terra, a urgência da questão
ambiental, educar as populações para um tipo de exploração menos danosa à
Natureza. A seca também tem uma explicação no desmatamento indiscriminado, no
uso do carvão vegetal que destrói a mata, no tipo de agricultura horizontal,
extensiva e predatória que se praticou na região desde a colonização, que
exaure a terra e aquece a atmosfera do planeta. Uma das medidas que se impõem
é um maciço reflorestamento com milhões de árvores em toda a região.
Quando fechávamos este texto, chovia densamente
em grande parte do Nordeste. Mesmo que isso não possa ainda ser tomado como
fim da seca atual, o fato nos traz uma imensa alegria, pela amenização do
sofrimento de nossos irmãos e de milhões de animais e árvores no campo. Como
em todas as culturas humanas, chuva no Nordeste é vida. No litoral, nossa
torcida é que as nuvens carregadas que passam no céu cheguem ao sertão. A
cada dia, acompanhamos os boletins diários de chuva no interior, como se
acompanham os informes de uma guerra. Os prejuízos até aqui, no entanto, são
profundos e estão na conta do capitalismo brasileiro, que o povo do Nordeste
um dia vai cobrar com juros.
DEUS SALVE O NORDESTE E A NÓS TAMBÉM!
IVANILDO PEREIRA DANTAS – TÉC. AGRÍCOLA E
ESCRITOR
12 DE NOVEMBRO/2015
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