Dedicamos esse espaço a raça bovina Guzerá. O IPA mantém na Estação
Experimental Lauro Ramos Bezerra - Serra Talhada, um plantel de animais
bovinos da raça Guzerá desde a década de 1970. Os primeiros animais
foram adquiridos do espólio de João de Abreu Júnior no Rio de Janeiro, o grande e primeiro
selecionador da raça no Brasil. Pela Estação Experimental de Serra
Talhada
passou um dos primeiros touros com aptidão leiteira e que veio a quase se tornar uma lenda, o grandioso "Albatroz" dele originou-se diversos animais com produção leiteira acima da normalidade da raça. Durante as décadas de seleção e pesquisa na Estação Experimental de Serra Talhada, muitos touros foram utilizados provenientes da EMEPA - Empresa Paraibana de Pesquisa Agropecuária, Estação Experimental de Alagoinhas, que tem grandes resultados na seleção de animais de linhagem leiteira, dentre eles o "ÉDIPO DE ALAGOINHAS" que teve filhas campeãs nacionais durante vários anos, originando também o "HUMAITÁ DE TABOQUINHA" o melhor touro da atualidade.
passou um dos primeiros touros com aptidão leiteira e que veio a quase se tornar uma lenda, o grandioso "Albatroz" dele originou-se diversos animais com produção leiteira acima da normalidade da raça. Durante as décadas de seleção e pesquisa na Estação Experimental de Serra Talhada, muitos touros foram utilizados provenientes da EMEPA - Empresa Paraibana de Pesquisa Agropecuária, Estação Experimental de Alagoinhas, que tem grandes resultados na seleção de animais de linhagem leiteira, dentre eles o "ÉDIPO DE ALAGOINHAS" que teve filhas campeãs nacionais durante vários anos, originando também o "HUMAITÁ DE TABOQUINHA" o melhor touro da atualidade.
O IPA
mantém na Estação Experimental de Serra Talhada, um eficiente programa
de inseminação artificial, tendo em estoque sêmen dos principais
reprodutores do Brasil, entre eles: ÉDIPO DE ALAGOINHAS, HUMAITÁ DE
TABOQUINHA, CABUL, ÓBUS DE TABOQUINHA, ÓLEO DE TABOQUINHA, JEQUIÁ DE
TABOQUINHA, dentre outros.
Em visita à Estação Experimental de Serra Talhada em 2012, no mês de
março, o técnico da ABCZ - Associação Brasileira dos Criadores de Zebú,
Senhor Lauro Fraga Almeida, teceu vários elogios em relação ao nosso
rebanho Guzerá. (Charles Cabral)
Abaixo transcrevemos matéria da Agropecuária 105, p 47 - Fevereiro de 96, "100 anos de Zebus"
A MAIS ANTIGA SELEÇÃO
DO BRASIL: 100 ANOS DE ZEBUS
Agropecuária 105, p 47 - Fevereiro de 96, "100 anos de Zebus"
1 - A NECESSIDADE DO ZEBU
Agropecuária 105, p 47 - Fevereiro de 96, "100 anos de Zebus"
1 - A NECESSIDADE DO ZEBU
Tudo começou quando o
imigrante João de Abreu Júnior (1869-1949) resolveu abandonar seu ofício de
mestre-de-obras (especializado em cantarias) para se tornar um negociante e
abatedor de bovinos, em 1887. Morava em Cantagalo. No Rio de Janeiro, região
que fora muito próspera devido ao café e que, agora, ganhava prestígio na
criação de bovinos adequados para o trabalho nas montanhas da região.
Em 1888, a libertação
dos escravos completou o pânico que vinha se abatendo sobre os cafezais, pois a
atividade já se encontrava em quase bancarrota há algum tempo e, agora, passaria
a caminhar para a franca erradicação. A abolição seria um dos golpes mortais na
cafeicultura fluminense, sepultando um faustoso período histórico. Ao mesmo
tempo, seria uma das molas propulsoras dos cafezais paulistas e da pecuária em
geral. Em São Paulo, a nova realidade insuflaria a criação e melhoramento do
gado Caracu. Já no Rio e em Minas Gerais, a exploração do Zebu.
No final do século,
café já avançava pelas terras planas, roxas e férteis, de São Paulo, acelerando
a já rápida decadência dos cafezais das íngremes montanhas fluminenses. O café
ia se mudando para São Paulo, definitivamente. As terras cansadas do Vale do
Paraíba, principalmente na região serrana de Cantagalo, foram se transformando
lentamente em pastagens para a criação de gado.
Enquanto isso, João
de Abreu notava que os mestiços de Zebu eram mais rentáveis no talhe, e algumas
vacas também eram ótimas na produção de leite. Com um início modesto,
segregando os melhores espécimes, passaria a selecionador, tornando-se um
baluarte do gado indiano, talvez o mais importante de todos os tempos, como
afirmado pelo dedicado estudioso de gado Zebu, DUVIVIER (1956, in Weiss, p.56)
O início do Zebu, no
Brasil - No Rio de Janeiro, onde ficava a capital do Brasil, a criação de gado
era esmerada, com bovinos europeus, havendo anotações das raças Durham, Schwyz,
South Devon, Hereford, Limousin, Simental, Friburgo, Ayrshire, Jersey, Red
Lincoln, e outras. As raças portuguesas haviam se diluído e estavam presentes
nos mestiços em geral.
Desde 1870, havia
começado a chegar o gado da Índia. Ninguém trouxe Zebu para o Brasil por obra
do acaso, ou por simples comércio, no início. Havia uma necessidade crucial,
naqueles dias, para tal iniciativa. Quando as fazendas de café passaram a
escalar os morros, de onde surgiu a expressão de "fazenda serra
acima" ficou patente que as tropas de burros perderiam parte de sua função
de transporte. Somente juntas de bovinos poderiam subir e descer os morros,
agora em franca exploração cafeeira. Essa circunstância iria levar os
proprietários a requisitar o Zebu. Diz DOMlNGUES (1966) que cada lote de sete
burros ocupava dois tropeiros e cada burro suportava oito arrobas, ou seja, para
transportar 56 arrobas havia necessidade de 7 burros cargueiros e 2 tropeiros.
Ora, um carro de boi carregava perto de 100 arrobas, a 3 ou até 4,5 quilômetros
por hora! Por conta disso, o boi de carro, antes menosprezado, passou a valer
duas ou mais vezes que um burro! Além disso, os burros tinham que ser comprados
na longínqua feira de Sorocaba, em São Paulo e transportados para os cafezais
do Rio de Janeiro, enquanto que os zebuínos estavam chegando ao país; pelo
porto da capital.
A primeira utilização
do Zebu foi, portanto, como animal de trabalho! Essa utilização geral
compreenderia o período que vai de 1813 e chegaria até princípios de 1950. A
utilização dos zebuínos e seus mestiços para alguma produção de leite e carne,
além de trabalho, data de 1880, no Rio de Janeiro.
O primeiro rebanho de
Zebu a ganhar notoriedade foi o do segundo Barão de Duas Barras, Elias Antônio
de Morais, com a raça Guzerá. Foi dali que saíram, em parte, os animais que
iriam formar os plantéis da família Lutterbach, da Monnerat, e também o rebanho
de João de Abreu Júnior. Em 1880, já podiam ser vistos mestiços zebuínos como
animais de trabalho nas propriedades dos Clemente Pinto: Fazenda de Areias, Boa
Sorte, Aldeia, e outras. Em muitos locais o Zebu provava-se como o gado mais
adequado, destronando as raças europeias até então em voga mas que,
definitivamente, não podiam competir com o Zebu nos cafezais, nas montanhas e
no dia-a-dia das fazendas.
2 - EM 1895, O INÍClO DA SELEÇÃO
2 - EM 1895, O INÍClO DA SELEÇÃO
Em 1895 surgiu a
decisão de selecionar, ou seja, de melhorar zootecnicamente, os animais zebuínos
- por parte de João de Abreu Júnior. Em suas compras, ele ia escolhendo os
melhores, mantendo-os em terras arrendadas. A seguir, levou esse gado para a
Fazenda do Fundão. Em Cantagalo adquirida em 1899, onde a seleção teria
seqüência. Os primeiros animais indianos de João de Abreu foram adquiridos a
Acácio Américo de Azevedo (que já havia vendido o famoso LONTRA para Manoel
Rodrigues da Cunha, que o repassaria para Antônio Borges de Araújo). Outros
animais foram comprados na Fazenda Chave do Lontra, de José Lontra,
destacando-se o touro SULTÃO, um filho de importados. Seu primeiro animal
puro-sangue Guzerá. Também comprou um lote de novilhas e touro GLADIADOR. Ao
Barão de Duas Barras. Na Fazenda Ribeirão Dourado. Pretendia fazer uma seleção
em que os animais iriam ser melhorados por acasalamentos consanguíneos. Ele não
sabia o nome correto do gado e o denominava apenas de "Zebu", como
todo mundo.
Antes dele, outros já criavam Zebu, mantendo escrita própria na fazenda. Os principais eram: o segundo Barão de Duas Barras. o Barão do Paraná (fazendo toda sorte de cruzamentos com raças europeias, granjeando o mérito do título "Bakewell brasileiro". pela revista "O Criador Paulista", Março; 1907, p.297). Júlio César Lutter bach e a família Lemgruber. Estes pioneiros, no entanto, não lograram contar com, o sequenciamento da seleção. O mais antigo livro de registro dos animais de seleção que ficou conservado, talvez, tenha sido o da família Lutterbach, iniciado em 1876, incluindo ali o gado zebuíno.
Antes dele, outros já criavam Zebu, mantendo escrita própria na fazenda. Os principais eram: o segundo Barão de Duas Barras. o Barão do Paraná (fazendo toda sorte de cruzamentos com raças europeias, granjeando o mérito do título "Bakewell brasileiro". pela revista "O Criador Paulista", Março; 1907, p.297). Júlio César Lutter bach e a família Lemgruber. Estes pioneiros, no entanto, não lograram contar com, o sequenciamento da seleção. O mais antigo livro de registro dos animais de seleção que ficou conservado, talvez, tenha sido o da família Lutterbach, iniciado em 1876, incluindo ali o gado zebuíno.
João de Abreu Junior,
portanto, é apontado, hoje, como fundador da seleção contínua mais antiga do
Brasil, pois o gado atual é o mesmo da origem, em linha reta, com escrita,
confirmada, desde 1895.
Alguns anos depois,
já no início do século, o pioneiro passaria a ter acesso direto aos navios que
carregavam da Índia, e pagava bom preço pelos animais que escolhia.
Dois grandes defeitos
eram imputados ao Zebu, naquele tempo, a falta de mansidão e a falta de leite.
Seu refrão tornou-se logo conhecido: "Zebu manso e leiteiro" - o qual
muito ajudaria na divulgação do gado Zebu, pois esses dois predicados (manso e
leiteiro) eram os mais discutidos, na época, a respeito do Zebu.
Em 1906 havia um
único zebuíno na Exposição de São Paulo, constando até no catalogo. Novamente,
em 1908, outros três zebuínos estavam presentes na Exposição de São Paulo, mas
esta seria a última vez que esse gado ali entraria. A partir dessa data, o Zebu
estaria proibido de entrar no recinto, por ordem rigorosa de Pereira Barreto
(DOMINGUES, 1 J65. p.4~). Nessa data, todavia, havia zebuínos em
Pindamonhangaba. SP (SANTIAGO, 1972), e eram de origem de João de Abreu Júnior.
Levantava-se a figura
de João de Abreu como o principal rebatedor das críticas lançadas pelos
cientistas antiZebu, não apenas com palavras, mas com seu gado, com suas
pesquisas, sua presença ardorosa nos certames e até nas estradas empoeiradas da
época. Lançou o balde e a balança contra os ataques insidiosos e gastou uma
grande fortuna na imprensa da época. Por isso tudo, foi considerado "o
maior propagandista do Zebu" (Revista "A Fazenda Moderna", in
"Gado Zebu'', 1917)
Um de seus textos
dizia: "Tenho ouvido dizer que o Zebu é péssimo, tem má carne e dá
pouquíssimo leite. Aqui na minha zona existe o Holandês, o Jersey. o Schwyz, e
outros gados, que também são. Qual será o maior contrassenso: criar qualquer
uma destas raças exigentes e apropriadas aos pastos planos, forragens
abundantes e trato especial, ou criar o Zebu, quase indene às pragas, sóbrio.
rústico e grandemente prolífica, além de ser Manso, e Leiteiro?"
Quanto à aptidão
leiteira do gado, o laticínio do Gavião fornece provas abundantes dos gados
zebus da região, tanto em quantidade como nas riquezas do leite. Quanto à
qualidade da carne é claro que as raças especializadas como o Red Lincoln, o
Hereford, o Durham e outras, submetidas a pastagens planas e bons tratos são
superiores ao Zebu. Mas não hesito em afirmar que qualquer animal meio-sangue
Zebu, sob rigorosos cuidados alimentares - os mesmos que cercam os bois de
sangue Durham, no Brasil sem escalar montanhas, sem trabalho no campo, ou seja,
sem, provocar o "engrosso" das fibras musculares.O mestiço de Zebu
terá carne tão boa quanto a do seu emulo!" (Almanak Agrícola Brazileiro -
1919 p 70)
Seu trabalho serviria
como orientação para os criadores de Zebu em geral, durante muitas décadas,
chegando até os dias de hoje. Considerando-se as dificuldades de seu tempo,
pode- se afirmar que talvez tenha sido o maior baluarte de Zebu, em todos os
tempos ("A Saga do Zebu no Brasil", p. 22)
3 - A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DE UBERABA
3 - A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DE UBERABA
Começou no dia 20 de
Maio a primeira exposição de gado, na cidade de Uberaba, em 1906. A iniciativa
foi do coronel José Caetano Borges, juntamente com seu cunhado Joaquim Machado
Borges, da Fazenda Cascata. Juntou-se bastante gado e, como novidade,
destacava-se o Zebu. Foi uma festa de grande repercussão, pois deixava claro
que o Triângulo Mineiro iria sediar, decididamente, um polo de difusão para o
gado indiano. Ao mesmo tempo, os visitantes perceberam que o gado Zebu podia
ser a novidade mercantil em condições de resolver o péssimo momento do comércio
regional.
Firmavam-se,
portanto, dois fazendeiros, gigantes batalhadores do Zebu, nesse período: João
de Abreu Júnior, no Rio de Janeiro, pontificando pela ciência aplicada ao Zebu
e José Caetano Borges, em Uberaba, dedicando-se à promoção do novo gado. Estes
dois personagens deixariam seu nome para a posteridade e a vida de ambos têm
muitos pontos em comum.
João de Abreu iria
definir a raça Guzerá no Brasil, a ponto de seu gado receber o epíteto de
"Guzerá de Cantagalo", como sinal de excelência - até a modernidade.
José Caetano iria definir a raça "Induberaba". Os dois pioneiros
passariam maus momentos por ocasião da instalação do Registro Genealógico, nas
décadas de 1920 e 1930, como será visto, neste breve relato.
4 - A GRANDE EXPOSIÇÃO DE 1908
4 - A GRANDE EXPOSIÇÃO DE 1908
A Exposição
Comemorativa da Abertura dos Portos, em Outubro de 1908, foi muito instrutiva,
e as discussões ali travadas iriam orientar o rebanho de João de Abreu. Havia
animais do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. As
raças presentes eram Lincoln Red, Durham, Hereford, Polled Angus, Devon - como
raças de corte. E mais o Simental, Gruyére, Schwyz, Caracu - como raças mistas.
E o Holandês, Jersey como raças leiteiras. Finalmente, havia também o estranho
Zebu, num total de 48 animais. Total: 70 animais do Rio de Janeiro, 42 de Minas
Gerais, 37 de São Paulo e 22 do sul do país. (ATHANASSOF, in "Exposição de
Animais em 1908", revista "O Criador Paulista" n° 29, 1908,
p.586). Foi a primeira "Exposição Nacional" e não havia uma
organização para tanto. O julgamento foi realizado, então, seguindo-se uma
Tabela de Pontos indicada, na última hora, pela Sociedade de Agricultura Alemã,
pois parecia ser mais fácil de ser aplicada. Sendo apegado ao método
científico, ATHANASSOF fez mensurações práticas e as publicou, num extenso
relatório, mostrando que o Zebu ali presente era bastante inferior aos animais
estrangeiros, nenhum chegando a obter 60 pontos. João de Abreu era um atento
observador entre os presentes, tirando conclusões rapidamente sobre sorte do
Zebu, naquele recinto. Observou as mensurações, as pesagens, e as ponderações
dos cientistas. Aperfeiçoou, então, o método a ser seguido para uma autêntica
seleção de gado. Mostrava ser, de fato, um pioneiro na busca do método
científico, naquela época.
5 - PROVANDO, MEDINDO E PESANDO O ZEBU
5 - PROVANDO, MEDINDO E PESANDO O ZEBU
Leite - João de Abreu
já realizava pesagens do leite, com método próprio. Mantinha uma rigorosa
escrita zootécnica, com numeração e controle genealógico. Vinha já segregando
as linhagens de maior produtividade. Observava e anotava o desempenho de lotes
de vacas Zebu, Caracu, Jersey e Caracu-Zebu. Era a primeira pesquisa científica
comparativa sobre produtividade leiteira da Zebu, no Brasil. Eis um de seus
comentários da época: "Um dos lotes, composto de 30 vacas melhores de
Caracu, Jersey e Caracu-Zebu, os quais produziam 60 litros na média durante a
estação das águas, tiveram uma quebra de 40 litros, estando apenas 20 vacas
aptas à ordenha no período da seca. O rebanho indiano, também de 30 vacas, 1/2,
3/4 e 7/8 de sangue, fornecia cerca de 100 litros nas águas, caindo para 80 na
seca. Havendo surpresa e descrença, o proprietário levou-nos à usina de
congelação da exma. sra. condessa de Nova Friburgo, onde verificamos a
exatidão, folheando o livro de registro diário dos recebimentos de leite de
diversos fornecedores afazendados em Cantagalo. A quebra atestada no
fornecimento do leite provindo de rebanhos Holandeses, Jerseys e Caracus era
frisantemente desoladora. Pensa o sr. João de Abreu Júnior em provar que o Zebu
pode ser grande leiteiro; isto é, dar 18 a 20 litros diários, em 3 ordenhas,
criando um lote em semi-estabulação, como se faz com a Holandesa, Jersey,
Gujernsey, etc. em seus países de origem. "( Almanaque Agricola Brazileiro
1919, p.72).
Em outra publicação,
estão 33 vacas submetidas a uma prova de duas ordenhas, assistida até por
autoridades locais, destacando-se as vacas Guzerá FACEIRINHA-JA, com 10,5
litros; BAILARINA-JA, com 12,0 litros; ALTEZA-JA, com 10,5 litros.
("Correio de Cantagallo", s/d).
Uma outra mensuração
foi o da qualidade do leite. Diz o "Almanaque Agrícola Brasileiro"
que "uma nota digna de registro pela sua importância, é a referente à
riqueza em substância butirosa, que o leite do Zebu contém. A prova de
butirômetro, como a obtida pela desnatadeira, conforme atesta a direção técnica
da Usina de Congelação e de Produtos de Laticínios, pertencente à exma. sra.
Condessa de Nova Fribrugo, afirma que o leite das vacas indianas do sr. João de
Abreu, é muito gordo. Assim, bastam para a obtenção de 1 kg de manteiga, 17
litros, ao passo que das vacas européias e nacionais que fornecem leite, só com
22 litros conseguem formar 1 kg de manteiga. Cumpre notar que o sangue Jersey e
o Holandês predomina nos produtos mestiçados da região".
Carne -Também
realizava pesagens dos machos, utilizando a ferramenta da época: um
"cordão de peso", onde se viam muitos nós. As distâncias entre os nós
indicavam as medidas de um animal considerado ideal. Havia assim a distância do
perímetro torácico, do comprimento total, do comprimento da garupa, da altura
total, do perímetro da canela, etc. João de Abreu contava com alguns
compradores de gado, os quais percorriam as fazendas, levando consigo um
"cordão de peso": Estes compradores sabiam que os animais que
preenchessem aquelas medidas seriam comprados pelo criador de Cantagalo. Esse
cordão era a "balança" daqueles tempos. O pioneiro do Zebu procurava,
assim, comprar apenas animais de muito peso, muito leite e boa conformação:
estava indicando o caminho natural da pecuária do futuro.
Acirrava-se, também,
a polêmica de que a carne do Zebu era muito inferior à carne do animal europeu.
João de Abreu, que já havia sido marchante de gado de corte, resolveu passar a
limpo esta questão. É a revista "A Fazenda Moderna", 1917, p. 135 a
224) que conta como o esperto criador colocava carne. de Zebu, como sendo de
segunda, e a carne de raças européias como sendo de primeira, em seu ponto de
venda, em Niterói, onde a maior parte das freguesas eram inglesas. Confessa ele
que, depois de ouvir sua sugestão, as mulheres resolveram experimentar a carne
de segunda e não a consideraram inferior, em nada, à de primeira. Numa segunda
fase, passou a trocar as plaquetas de identificação e as freguesas não
perceberam nenhuma diferença. Finalmente, colocava apenas carne de Zebu, e
todas as freguesas continuaram frequentando e comprando, como sempre.
Para dar um cunho
"científico" ao teste, ele mesmo escreveu as seguintes palavras:
"Possuía eu vários açougues, inclusive um em Icaraí, barro aristocrático e
bastante habitado por ingleses, notabilizados, quiçás, pela sua preferência
pela célebre carne de gado Durham, Devon, e outros super- finos bovídeos.
Escolhi animais lindos, cevados, que viviam em estábulo, superalimentadas,
mesmo. A rês mais nédia foi exposta, em pedaços, com vistosos cartazes:
"Carne de 1ª qualidade, de escol, kilo $1000". Havia também outros
indicando "Carne de 2ª qualidade, kilo $800". A de 2ª qualidade
provinha de um mestiço CaracuZebu, de respeitável passado como boi carreiro.
Pois, com tremendo
pasmo, por mais que os empregados procurassem justificar o preço da carne de
1ª, por ser marbreada, isto é, constituída de fibras finas de carne gordurosa,
autênticas inglesas, patroas e criadas, afirmavam que eram iguais os tipos à
venda e o mais eram cantigas para se cobrar mais caro! Então, fiz ceder a carne
de primeira pelo preço estipulado como de segunda, por se tratar de um dia de
estreia, ficando claro aos compradores que, no dia seguinte, cada carne teria
seu preço de acordo com a qualidade. Dormi tranquilo, confiante na lógica dos
fatos. No dia seguinte, outro grande pasmo sofri. As senhoras inglesas
confirmaram não haver grande diferença na carne, mas sim unicamente nos preços,
e preferiam a carne classificada como de segunda."
A partir dessa data,
passou a comercializar carne, como sempre, sem se preocupar com o nome da raça.
Essa foi a primeira prova de palatabilidade de carne, no Brasil. Era mais uma
vitória para o Zebu!
6 - A PRIMEIRA GUERRA
MUNDIAL
Em 1914 estourou a
Primeira Guerra Mundial e, em 1915, a Argentina exportava 362 mil toneladas de
carne, enquanto que o Brasil mal enviava 8,5 mil, equivalendo a apenas 29 mil
reses.
Em 1914, o governo
decretou uma "Moratória do Café", condenando milhões de sacas às
cinzas e quase paralisando os transportes do país, devido ao conflito que
ganhava contornos medonhos, na Europa. Muitos fazendeiros trocaram seus
cafezais pela pecuária, na ocasião. A disseminação e a vitória do Zebu, no
interior brasileiro, constituíam uma boa alternativa diante dessa crise.
Foi a guerra que deu um
memorável impulso e que realmente consolidou o Zebu, nessa fase histórica. O
azebuamento, nesses dias, era uma imperiosidade, uma forma garantida de ganhar
dinheiro. As boiadas erguiam nuvens de poeira pelas estradas e veredas, graças
ao Zebu, andejo e lucrativo. Os paulistas podiam lutar contra o Zebu, mas não
podiam tapar o sol com uma peneira, quando os europeus estavam se envolvendo na
"Guerra para acabar com todas as guerras", ou seja, na maior guerra
de todos os tempos. Os exércitos pediam mais e mais carne, não importando de
qual raça ou de qual país. No Brasil, sairia vencedora a raça que fosse apta a
ocupar novos espaços, no sertão, produzindo crias saudáveis.
O governo brasileiro
lançou vários decretos de apoio aos produtores de carne, ao mesmo tempo que
diversos frigoríficos instalavam-se no país, tendo em vista atender os
exércitos beligerantes. Somente em São Paulo foram instalados 5.936
estabelecimentos fabris, durante o período da guerra! O gado ganhou uma
autorização especial para ser transportado por meio das ferrovias! Um outro
decreto proibia o abate de vacas e vitelas aptas para a reprodução, pois ninguém
sabia quanto tempo iria durar o conflito na Europa. Agiu bem o governo
brasileiro durante a crise. As exportações aumentavam, a cada ano. A produção
de alimentos, que era de 20,6% do PIB, em 1907, saltaria para 40,2% em 1915. A
exportação de carne, que era nula, foi ganhando espaço, até chegar à fantástica
cifra de 65.509 toneladas, em 1918, quando o conflito terminou.
A pecuária de corte
ocupou espaços que jamais seriam ocupados se não houvesse a guerra na Europa. O
gado zebuíno tornou possível essa expansão e colocava abaixo os argumentos
científicos de Pereira Barreto e Eduardo Cotrim. Em apenas quatro anos, os
mestiços de Zebu ocuparam uma enorme vastidão territorial e passaram a ser
encontrados em todos os rincões. Onde o Zebu chegava, logo tornava-se
"Rei".
Nesse período, a
pecuária fluminense mantinha sua tradição de melhorar o gado puro-sangue Zebu,
de acordo com as raças, que eram o Guzerá e o Nelore. Já os triangulinos, até
para evitar que os compradores continuam se deslocando-se até o Rio de Janeiro,
passaram a divulgar animais mestiços, de grande porte. "Tudo era Zebu e
tinha o mesmo valor" - era a voz corrente naqueles dias. Assim, os
milhares de pecuaristas passariam a evitar a difícil viagem até o Rio, podendo
se abastecer no Triangulo Mineiro, que vinha importando, diretamente da Índia,
milhares de cabeças.
Os compradores
preferiam o gado denominado de "meia-orelha" em que imperava o sangue
Guzerá, pois este determinava, nos mestiços, sempre um tamanho mediano nas
orelhas, quando comparados com os animais europeus, de orelhas curtas.
Formavam-se, então, duas "escolas": a do gado puro, do Rio de
Janeiro, e a do Zebu em geral, do Triângulo Mineiro.
7 - O ZEBU NA IMPRENSA DA ÉPOCA
7 - O ZEBU NA IMPRENSA DA ÉPOCA
Até perto de 1920, os
fluminenses é que sustentavam a ampla propaganda do gado Zebu, enfrentando a
"guerra" promovida pelos paulistas. Os periódicos mais utilizados, na
época, foram os seguintes: Chácaras&Quintaisn(São Paulo), A Fazenda Moderna
(Rio de Janeiro), Almanaque Agrícola Brasileiro (Rio de Janeiro), Sítio &
Campo (Rio de Janeiro). Além desses periódicos, haviam os jornais da época, e
revistas regionais do Rio de Janeiro, como "A Vida Doméstica",
"Diário Serrano", etc. O primeiro anúncio de um rebanho mineiro
surgiu em 1917, de propriedade do Cel. Horácio José Lemos, de Juiz de Fora.
Nesse ano, a imprensa também mostrou o rebanho de José Flausino de Britto, de
Barretos, deixando claro que os paulistas já aderiam ao Zebu.
Destacava-se como
propagandista do Zebu o criador João de Abreu Júnior, por meio de artigos
longos, matérias didáticas, relatórios de experiências na fazenda, e
propagandas diversas, incluindo até capas da revista "A Fazenda
Moderna". A seguir, batalhavam Joaquim Travassos, como estudioso do Zebu,
Sebastião Monnerat Lutterbach, como apologista, Dantas Bião, como rebatedor das
críticas de Pereira Barreto, e outros. João de Abreu Júnior despontava como um
"homem de marketing", já naquele tempo, lutando pelo Zebu.
João de Abreu estava
sempre presente nos grandes eventos pecuários. No dia 13 de Maio de 1917
abriam-se os portões da Exposição Nacional de Gado e Indústrias Anexas, no Rio
de Janeiro. Ali foi premiado um garrote, PAVILHÃO, que iria fazer um grande
sucesso nos próximos anos. Também em 13 de Maio de 1918, tinha início a 2ª
Exposição Nacional de Gado, também no Rio, sob comando da Sociedade Nacional da
Agricultura. Lá estava o gado Guzerá de João de Abreu Júnior. O rebanho de
marca JA sempre manteve a tradição de estar presente nas exposições nacionais,
desde aqueles tempos.
Ser um homem de
"marketing", naqueles dias, era tarefa ingrata. Não era fácil
fotografar animais, quando os profissionais eram poucos e moravam na capital.
Conta Anthero Feijó que os fotógrafos moravam longe demais. Quando se tenta
trazer um deles, começa por tergiversar. Depois exige que se tire, pelo menos,
3 fotografias; uma dos touros e outra do gado nos currais, pedindo pela dúzia
de cada uma, 150 mil réis, no mínimo, exigindo assim 3 dúzias. De modo que o
fazendeiro tem que pagar pela viagem e trabalho dele, a quantia de 450 mil
réis, quando não mais. Além disso, o fotógrafo quer ser tratado a vela de libra
e viver como o genro mandrião, na casa do sogro" ("Sobre o gado
indiano" in "Chácaras & Quintais'; 1921, p.196).
8 - A FAZENDA ITAOCA
8 - A FAZENDA ITAOCA
Em 1918, João de
Abreu Júnior leva seu gado Guzerá para a recém comprada Fazenda Itaoca, ao lado
da histórica Fazenda de Areias, do Barão de São Clemente. Logo mais, essa
fazenda tornar-se-ia a "Meca do Zebu", no Rio de Janeiro, recebendo
autoridades e estudiosos do mundo inteiro.
Mantinha o máximo
empenho em preservar o tipo Guzerá, como indicado nos catálogos da firma
Hagenbech, importadora. Estava certo, pois o técnico Antônio da Silva Neves,
enviado à Índia, em 1919, voltou e escreveu em seu relatório para o Ministério
da Agricultura: "Mais de 75% do gado introduzido no Brasil são tipos
ordinários, misturados, notabilizando-se apenas pelo comprimento das orelhas.
Na Índia, os brasileiros tornaram-se conhecidos como compradores de orelhas. A
aquisição de reprodutores puros, animais de elite, é um problema muito mais
difícil do que se imagina."
Observador arguto,
João de Abreu notou que seu gado distanciava-se dos demais, em termos de pureza
racial. Em 1919 comprou 3 touros, 9 vacas, 2 novilhas e 2 bezerros, todos
importados. Um deles veio a ser o raçador LAHOR, de destaque na época. Era um
comprador de gado de alta pureza!
A partir dessa data,
João de Abreu também intensificou seu comércio de Zebu. Enviava lotes, por
trem, que eram descarregados em Resende, ou em Cruzeiro, como se fossem seguir
para Minas Gerais. Tomavam, no entanto, um rumo proibido: São Paulo. Por três
vezes, os lotes foram expulsos do Estado: o governo pagava o frete de retorno,
depois do aprisionamento do gado, mesmo quando já estivesse vendido. Mesmo
assim, surgiram núcleos de Zebu, devido a essas viagens, em Queluz, Cachoeira
Paulista, Aparecida, Lorena, Guaratinguetá, e outras cidades.
O procedimento era
sempre o mesmo, os ajudantes desfilavam com o gado pelas ruas, para exibir a
mansidão do Zebu de longos chifres. Depois, quando havia bastante público,
ordenhavam-se duas ou três vacas, na praça pública. Era um sucesso! Exibir
ordenhas de gado Zebu, nas ruas de cidades estranhas era um inusitado
pioneirismo!
Nessa ocasião, João
de Abreu Júnior contava com um rebanho de 300 vacas zebuínas, mais 150 vacas
parideiras, mais 100 novilhas e 51 garrotes ("Almanaque Agrícola Brasileiro"
- 1919)
9 - A BUSCA DO LEITE INVISIVEL
9 - A BUSCA DO LEITE INVISIVEL
Nessa ocasião, todo o
plantel do pioneiro estava registrado no Serviço Genealógico mantido pela
antiga Sociedade Fluminense de Agricultura e Indústrias Rurais, com sede em
Niterói. Não havia, ainda, qualquer associação em Uberaba.
A fazenda já
mantinha, também, um Certificado de Origem, onde se lia o refrão "Zebu
Manso e Leiteiro" (SANTIAGO, 1984, p.150).
Em 1919, João de
Abreu comprou diversas vacas e 2 bezerros, sempre importados da Índia. Os
bezerros foram CALICUT e INDU. Em abril desse ano foi adquirido outro lote,
incluindo as vacas SURAT, MANDALET, CATTIAVAR, BENARES e AGRA - todas com cria ao
pé. Esse gado fora encomendado a Manoel Alves Caldeira Jr., em uma de suas
importações.
João de Abreu havia
pedido a Caldeira que trouxesse "as melhores vacas leiteiras Guzerá que
encontrasse na Índia".
Um vaqueiro indiano
que havia acompanhado os animais, por imposição religiosa, informou que as
melhores leiteiras seriam, sempre, as filhas de "CALICUT" e
"BENARES", pois ambos tinham ascendentes de "quatro
orelhas". João de Abreu acreditou nessa possibilidade e tratou de acasalar
os dois animais, CALICUT e BENARES, e seus descendentes, em estreita consanguinidade.
Realmente, os produtos eram sempre superiores. Diversas fêmeas nasciam com um
pequeno apêndice sobre o pavilhão auricular: era a denominada "quarta
orelha". A seguir, nasceu o primeiro macho também "quatro
orelhas"'. Estava constituída uma família de animais altamente leiteiros,
no Brasil.
Este episódio foi o
primeiro gesto da Zootecnia brasileira, em selecionar uma característica
fanerótica, por via da segregação mendeliana. Se os triangulinos iriam
selecionar o comprimento de orelhas, como sinal de excelência, João de Abreu
iria preservar o tipo leiteiro caracterizado por "quatro orelhas".
Daí para a frente,
João de Abreu manteria o gado "quatro orelhas" como referencial de
alta produtividade. Até hoje, na década de 1990, muitos criadores de Guzerá
leiteiro valorizam, ainda, os animais de "quatro orelhas" pois eles
indicam, com segurança, uma boa produtividade. (Afirma Allyrio Abreu que, no
rebanho JA, a característica "quatro orelhas" cumpriu seu papel, no
passado, indicando fêmeas que se aproximavam de 4.000 kg de leite na lactação.
Ao obter fêmeas com produções mais elevadas, por meio de outras famílias, a
característica de "quatro orelhas" já poderia ser dispensada, nessas
linhagens).
Entusiasmado com o
sucesso de seu gado, João de Abreu Júnior continuava na vida de comerciante,
sempre viajando por cidades vizinhas: Juiz de Fora, Leopoldina, Cataguases, Rio
Pomba, etc - vendendo Zebu de alta qualidade, e ordenhando vacas nas praças
públicas.
Por conta dessas
ordenhas, a revista "Agropecuária Tropical" iria sugerir, na década
de 1980, à Associação dos Criadores de Guzerá do Brasil, a instituição de um
Torneio Público Leiteiro", com animais nos pavilhões das exposições, ao
invés de um tradicional "Concurso Leiteiro"em galpão fechado, como
acontece com as vacas europeias. Este Torneio iria começar uma nova fase
histórica para a raça Guzerá, na região nordestina do Brasil, gerando novas
estatísticas úteis para a promoção do gado.
Conta Santiago que "desde
1921, nos concursos leiteiros que se realizavam durante as exposições anuais de
Cordeiro, as reprodutoras da Itaoca venciam frequentemente, as mestiças das
raças europeias e até as reprodutoras puras, com produções de 12 a 16 kg
diários. No tocante à matéria graxa, saíam sempre vitoriosas, com índices
variáveis entre 7 e 10% de gordura, valores estes nunca verificados antes com
fêmeas da espécie bovina. E á situação iria se manter, mesmo depois do
falecimento do pioneiro" ( SANTIAGO, 1984, p.287)
10 - PAVILHÃO: MAIS DE UMA TONELADA
10 - PAVILHÃO: MAIS DE UMA TONELADA
Um dos pontos altos
da carreira de João de Abreu Júnior, foi a apresentação do touro PAVILHÃO, na
Exposição de Cordeiro, em 1921, que já se firmava como "capital da
pecuária fluminense" e, depois, em 1922, na Exposição Nacional
Comemorativa do Centenário da Independência do Brasil, no Rio de Janeiro -
diante de embaixadas de vários países. Ali se sagrou Campeão Nacional,
novamente, pesando 1.050 quilos - o animal mais pesado já surgido no Brasil. E
era um puro Zebu! Esse peso somente seria ultrapassado, pela raça Guzerá, na
década de 1970, cinquenta anos depois! Foi tamanho o sucesso que o touro ganhou
até uma música especial que não cansava de ser tocada. A seguir, sua imagem
estaria gravada em dezenas e dezenas de rótulos e reportagens. Tornou-se famosa
a aguardente "Itaoca", fabricada na Fazenda Itaoca, com o famoso
touro em destaque.
Em 1922, dizia o
"Almanaque Agrícola Brasileiro" (p. i 89) : "De boca em boca,
durante os dias da Exposição de Cordeiro, andou o nome de PAVILHÃO, que já fora
premiado na 3ª Exposição do Rio, e que acabava de ficar em 1º no grande certame
de Cordeiro. É que PAVILHÃO fora proclamado o "Rei da Pecuária
Fluminense" ! E só ele, só o PAVILHÃO, a sua beleza de linhas, de orelhas,
de giba e de corpulência descomunal, arrastava à Exposição, milhares de pessoas
ansiosas para o rodearem de admiração e o cobrirem de aplausos. "
11 - A PRIMEIRA EXPORTAÇÃO PARA OS ESTADOS UNIDOS
11 - A PRIMEIRA EXPORTAÇÃO PARA OS ESTADOS UNIDOS
Em 1923 e 1924
aconteceram as exportações para o México e os animais seguiram dali para os
Estados Unidos, depois de sobreviverem a dias difíceis devido à guerra
mexicana. Os animais haviam sido escolhidos em bons plantéis do Brasil: Guzerá
de João de Abreu Júnior, Nelore de Pedro Nunes e Octacílio Lemgruber, e outros.
Esse gado iria ser
muito utilizado para a consolidação do Brahman, sequndo o livro "American
Brahman", permitindo o surgimento do touro ARISTOCRATA, um Guzerá, que
seria o pai do famoso MANSO. Pouco antes da importação, Fernando Ruffier havia
cumprido uma missão oficial aos Estados Unidos, onde havia observado que o Zebu
norte-americano tinha valor no comércio de carnes. Lembrara que tinha
conhecimentos de um gado Guzerá que, além de corpulento, também era manso e
leiteiro. Por meio dessa informação, o gado de marca JA seria bastante
utilizado na formação do Brahman. Ruffier fez uma conferência no dia 20 de
agosto de 1922 para os brasileiros, onde teceu muitos comentários sobre a pecuária
norte-americana e brasileira, estando alguns publicados no "Jornal do
Comércio" do dia seguinte.
12 - A GRANDE VIRADA
12 - A GRANDE VIRADA
As décadas de 1920 e
de 1930 modificaram o cenário da pecuária brasileira. Por volta de 1926
brilhava, em Uberaba, o gado tipo "Induberaba", criado por José
Caetano Borges e insuflado pelo Herd Book Zebu, de Uberaba. Esse gado era
originalmente formado a partir da mistura de gado Guzerá com Nelore - o qual
tinha garantido a expansão do Zebu - mas, no início da década de 1920, já
mostrava sinais da infusão do sangue Gir. Tornou-se, então, o
"modelo" do Zebu brasileiro. Era o gado que todo fazendeiro poderia
pretender, naquela época, de norte a sul do país, com ótima conformação, boa
altura e grande peso.
Os mascates
apregoavam, abertamente, a necessidade de transformar todo Zebu num único tipo,
já vitorioso: o Induberaba. Por conta disso, levavam os fazendeiros a utilizar
as fêmeas Guzerá e Nelore para a formação daquele gado. Era o começo de um
período negro para as raças puras. Em 1928, os uberabenses rejeitaram o nome
"Induberaba", por ser bairrista, e criaram um outro: "Indubrasil",
como gado ideal para todo o país. Por conta dessa atitude, José Caetano Borges
retirou-se da Sociedade Rural do Triângulo Mineiro, jurando nunca mais
retornar. Ele entendia que todas as raças deveriam ter seu lugar. Fez erigir,
então, um monumento ao gado Zebu, para eternizar aquilo que julgava ser um bom
trabalho de seleção, identificado pelo touro LONTRA, na cidade. Seu brado de
alerta, todavia, cairia no esquecimento.
Rapidamente, o Indubrasil tomou conta do cenário. As raças puras desapareciam dos currais. A ânsia de erguer o Indubrasil era tão grande que a imprensa da época, proclamava a necessidade de até "caçar as fêmeas de outras raças" para fazer mais e mais Indubrasil. Realmente, apenas um punhado de criadores mantinha alguns animais puros, longe da euforia mercantilista. Não faltaram "amigos" de João de Abreu que afirmavam que ali poderia sediar o melhor plantel de Indubrasil do país, devido à aptidão leiteira das fêmeas Guzerá! (SANTIAGO, 1 984, p.1 51)
Na raça Guzerá, iria permanecer João de Abreu Júnior, convicto da excelência do gado que tinha tamanho, leite, beleza e mansidão. EDUARDO DUVIVIER iria escrever: "João de Abreu foi o mais sacrificado selecionador brasileiro, por ter sido o mais incompreendido, fazendo a seleção para a produção de leite, que sempre pouco valeu, e lutando com a confusão estabelecida e consagrada no antigo padrão oficial da raça, que criava um tipo de denominação inexistente na Índia. Não fosse sua teimosia, que o fez suportar, sem desânimo, as maiores injustiças, o Kankrej de há muito não existiria no país. O Brasil deve-lhe, portanto, este inestimável serviço".
TOGO, touro nascido em 1928, na Índia, e trazido pelo importador Francisco Ravísio Lemos para seu pai. Horácio José de Lemos, da Fazenda Benfica, de Juiz de Fora, foi comprado por João de Abreu, nesse período conturbado. Foi este o último touro a entrar no rebanho por isso é tão importante. Daí para frente, apenas seriam utilizados animais próprios da Fazenda Itaoca.
Essa "teimosia" fez com que o rebanho se tornasse o de maior pureza genética na história da pecuária brasileira. Hoje, existem linhagens com mais de 60 anos de alta consanguinidade, e documentos que indicam 100 anos de seleção! Algo inédito na Zootecnia moderna!
13 - A QUEBRADEIRA DO CAFÉ
Rapidamente, o Indubrasil tomou conta do cenário. As raças puras desapareciam dos currais. A ânsia de erguer o Indubrasil era tão grande que a imprensa da época, proclamava a necessidade de até "caçar as fêmeas de outras raças" para fazer mais e mais Indubrasil. Realmente, apenas um punhado de criadores mantinha alguns animais puros, longe da euforia mercantilista. Não faltaram "amigos" de João de Abreu que afirmavam que ali poderia sediar o melhor plantel de Indubrasil do país, devido à aptidão leiteira das fêmeas Guzerá! (SANTIAGO, 1 984, p.1 51)
Na raça Guzerá, iria permanecer João de Abreu Júnior, convicto da excelência do gado que tinha tamanho, leite, beleza e mansidão. EDUARDO DUVIVIER iria escrever: "João de Abreu foi o mais sacrificado selecionador brasileiro, por ter sido o mais incompreendido, fazendo a seleção para a produção de leite, que sempre pouco valeu, e lutando com a confusão estabelecida e consagrada no antigo padrão oficial da raça, que criava um tipo de denominação inexistente na Índia. Não fosse sua teimosia, que o fez suportar, sem desânimo, as maiores injustiças, o Kankrej de há muito não existiria no país. O Brasil deve-lhe, portanto, este inestimável serviço".
TOGO, touro nascido em 1928, na Índia, e trazido pelo importador Francisco Ravísio Lemos para seu pai. Horácio José de Lemos, da Fazenda Benfica, de Juiz de Fora, foi comprado por João de Abreu, nesse período conturbado. Foi este o último touro a entrar no rebanho por isso é tão importante. Daí para frente, apenas seriam utilizados animais próprios da Fazenda Itaoca.
Essa "teimosia" fez com que o rebanho se tornasse o de maior pureza genética na história da pecuária brasileira. Hoje, existem linhagens com mais de 60 anos de alta consanguinidade, e documentos que indicam 100 anos de seleção! Algo inédito na Zootecnia moderna!
13 - A QUEBRADEIRA DO CAFÉ
Seguindo-se à queda
da Bolsa de Nova Iorque, o governo brasileiro iria queimar dezenas de milhões
de sacos de café, no início da década de 1930, nas praças públicas. O preço do
gado despencou; se antes valia 1 a 3 contos, caiu para 100 a 200 mil réis.
Fêmeas compradas por somas absurdas como 400 contos passaram a valer apenas 400
mil réis! ( SANTOS - "A Saga do Zebu no Brasil", p.55)
Desde o advento do gado denominado "lndubrasil", as vendas de gado puro-sangue não iam bem. O pior, todavia, foi a quebradeira dos donos de cafezais, que afetou, bruscamente, os pecuaristas em geral. A periferia do Rio de Janeiro, que ainda sobrevivia, a duras penas, com a renda de um pouco de café, viu-se, de um momento para outro, sem nada. João de Abreu, de novo, passou a repetir o velho sistema de divulgar seu produto: "colocava o gado nas estradas, para vender". Mesmo com a dramática situação financeira, frequentou a Exposição de Petrópolis, em 1933, sempre ampliando o círculo daqueles que davam valor a um gado manso e leiteiro.
14 - O REGISTRO GENEALÓGICO DO ZEBU
Desde o advento do gado denominado "lndubrasil", as vendas de gado puro-sangue não iam bem. O pior, todavia, foi a quebradeira dos donos de cafezais, que afetou, bruscamente, os pecuaristas em geral. A periferia do Rio de Janeiro, que ainda sobrevivia, a duras penas, com a renda de um pouco de café, viu-se, de um momento para outro, sem nada. João de Abreu, de novo, passou a repetir o velho sistema de divulgar seu produto: "colocava o gado nas estradas, para vender". Mesmo com a dramática situação financeira, frequentou a Exposição de Petrópolis, em 1933, sempre ampliando o círculo daqueles que davam valor a um gado manso e leiteiro.
14 - O REGISTRO GENEALÓGICO DO ZEBU
Durante a Exposição
Nacional de 1936, no antigo Derby (hoje ocupado pelo estádio do Maracanã),
aconteceria o grande feito de João de Abreu, na história.
Ali estavam as
representações leiteiras das raças Jersey; Guernsey, Holandesa, e outras -
geralmente advindas do Rio Grande do Sul, terra de origem do presidente Getúlio
Vargas.
Durante o Concurso Leiteiro, a campeão foi DORA-JA, com 11 ,5 kg. Venceu todas as raças. Também as fêmeas ITA-JA e CAMARADA-JA saíram-se muito bem, com média acima de 10,0 kg. O Zebu destronava as raças europeias, naqueles dias.
O público e o próprio presidente, no entanto, tinham olhos para a vaca ALUDRA-JA, enorme, linda, imponente, com peso nunca visto em uma fêmea, mais de 650 kg. Era a campeã, de fato.
No momento dos cumprimentos oficiais, quando o presidente Getúlio Vargas via o filme especialmente realizado na Fazenda Itaoca (talvez o primeiro filme realizado em uma fazenda brasileira, sobre o Zebu!) lembrou e imitou um pouco o cientista anti-zebu, Pereira Barreto: "O Zebu pode até ser um gado grande, e aqui vimos que também é leiteiro, mas sua carne realmente não pode disputar, em qualidade, com o gado do sul!". João de Abreu, num gesto de extrema dedicação à causa, respondeu: "Pois essa campeã-de-peso é de Sua Excelência, para um churrasco, aqui no parque".
Durante o Concurso Leiteiro, a campeão foi DORA-JA, com 11 ,5 kg. Venceu todas as raças. Também as fêmeas ITA-JA e CAMARADA-JA saíram-se muito bem, com média acima de 10,0 kg. O Zebu destronava as raças europeias, naqueles dias.
O público e o próprio presidente, no entanto, tinham olhos para a vaca ALUDRA-JA, enorme, linda, imponente, com peso nunca visto em uma fêmea, mais de 650 kg. Era a campeã, de fato.
No momento dos cumprimentos oficiais, quando o presidente Getúlio Vargas via o filme especialmente realizado na Fazenda Itaoca (talvez o primeiro filme realizado em uma fazenda brasileira, sobre o Zebu!) lembrou e imitou um pouco o cientista anti-zebu, Pereira Barreto: "O Zebu pode até ser um gado grande, e aqui vimos que também é leiteiro, mas sua carne realmente não pode disputar, em qualidade, com o gado do sul!". João de Abreu, num gesto de extrema dedicação à causa, respondeu: "Pois essa campeã-de-peso é de Sua Excelência, para um churrasco, aqui no parque".
O resto da história
tornou-se corriqueira: Getúlio só admitiria o tal churrasco se preparado por
seu churrasqueiro de São Borja. Foi um corre-corre, mas o churrasco ficou
pronto, no final da Exposição. Getúlio Vargas, como se esperava, aprovou o
sabor, a maciez, e a fidalguia de João de Abreu. Durante as conversas, o
presidente perguntou qual o melhor caminho para o Zebu. João de Abreu
respondeu: "Presidente, faça abrir um Livro de Registro Genealógico que
seja útil para todo homem brasileiro, com o aval e a seriedade do
Ministério". Getúlio levou a conversa adiante: "E onde esse Serviço
teria que ficar. Aqui na capital, Rio de Janeiro? "João de Abreu foi claro
e taxativo: "Não, excelência, o Zebu é um gado para todo o Brasil. O
Serviço deveria ficar o mais perto possível dos criadores. "
Naquele momento, o
presidente Getúlio Vargas chamou seu Ministro de Agricultura e determinou o
estudo e possível aprovação de um Serviço de Registro Genealógico, o qual viria
a ter sua sede na cidade de Uberaba. Dois anos depois, em 1933, tinha início o
registro genealógico do Ministério, para todos os brasileiros. O sacrifício da
vaca campeã ALUDRA-JA valeu!
15 - O "ASSALTO" AO GADO KANKREJ
15 - O "ASSALTO" AO GADO KANKREJ
Com o início do
Registro Genealógico, começava um outro período negro na história de João de
Abreu Júnior. Todo o gado deveria ser inscrito no Livro, depois de observado
pelas comissões de registro da SRTM-Sociedade Rural do Triângulo Mineiro. A
intenção de tais comissões, no entanto, parecia ser a de prejudicar o gado,
pois logo na primeira visita, registraram apenas 22 fêmeas e nenhum macho. É
SANTIAGO (1984, p.151/151) quem conta: "Por vezes, certos reprodutores
que, em sua opinião de criador antigo e capaz, eram os melhores, indispensáveis
até para seu trabalho seletivo, foram vítimas da incompreensão de alguns
pseudos "técnicos ou conhecedores" enviados para a Fazenda ltaoca. O
gado recusado era, a duras penas e altos custos, transferido para São Paulo,
onde era registrado. Depois, esse gado retornava para Cantagalo. Houve até
ocasiões em que as comissões marcavam, todas as fêmeas apresentadas e negavam
aprovação a todos os machos - aconselhando o velho e caprichoso selecionador a
comprar "bons touros que tinham à venda...
Esse calvário iria
durar muito tempo. O gado Guzerá era perseguido. ustamente pela sua excelência.
Em 1939, as comissões registraram 1695 animais Indubrasil, apenas 178 Nelore,
19 Gir e 64 Guzerá. O próprio SANTIAGO, que era técnico de registro, na época, em
São Paulo, escreve: "Em novembro de 1945, examinamos e marcamos, no Parque
da Água Branca, um lote constituído de 10 touros e garrotes oriundos da Fazenda
Itaoca, todos de muito boa qualidade, sendo que alguns vieram a servir como
reprodutores na Fazenda, como POLIDORO, MINEIRO, RAJÁ, GUAXUPE, LUMINOSO e
CABOCLO. Entre eles estavam também o garrote que seria o notável raçador TARZAN
e aquele que seria até Campeão Nacional, BATURlTÉ. Se narramos este fato, é
apenas para demonstrar o espírito de luta e a soma de sacrifícios que o destino
exige dos pioneiros, como João de Abreu. "
Os técnicos
confundiam-se a respeito do que denominar de Guzerá e o que seria o Kankrej
indiano. Assim, preferiam acreditar que o gado correto era aquele que estivesse
mais perto de Uberaba! E o Rio de Janeiro estava muito longe!
Até em 1954, depois
do falecimento do pioneiro, o gado Guzerá-JA continuou sofrendo pressões,
conforme conta seu filho, Allyrio Abreu: "Nesse ano, levamos gado bom, e
leiteiro, mas que não havia logrado ganhar o registro, para a Exposição
Comemorativa do Quarto Centenário, no Parque da Água Branca, em São Paulo. Os
juízes foram o Prof. João Barisson Villares, o Sr. Virmondes, de Uberaba, e
outros. O gado era tão bom que essas autoridades admitiram que o lote inteiro
fosse então registrado e, depois, muitos animais foram premiados. Entre os
animais estavam alguns que iriam se destacar no plantel fluminense, tais como
GLADIADOR, TULIPA, JANGADA, MAZURCA, etc, como sendo de alta
produtividade".
16 - A PUREZA DA RAÇA EM DISCUSSÃO
16 - A PUREZA DA RAÇA EM DISCUSSÃO
Com a expansão do
gado Indubrasil, as raças puras ficaram relegadas a um segundo plano.
Rapidamente, poucos criadores sabiam exatamente o padrão original. Surgiu,
então, na metade da década de 1930, um movimento que ficou conhecido, historicamente,
como de "retorno às raças puras". Esse movimento iria levar o Gir
para um exagerado purismo e, no Guzerá, surgiria a discussão de que haviam dois
tipos: o Kankrej e o Guzerat. João de Abreu ficou sozinho, na discussão,
deixando claro que havia apenas um tipo, o milenar encontrado na Índia, embora
com "estilos" diferentes.
Quando surgiu o
Registro Genealógico os técnicos indicavam o Guzerá verdadeiro como sendo
aquele que abundava ao redor de Uberaba, geralmente de grande porte, mas sem
uma seleção leiteira e racial - como já explicado em cima.
João de Abreu Júnior,
o veterano pioneiro, insistia na busca do ideal da raça e vários cientistas
estavam com ele nessa maratona, a qual teve muitos capítulos interessantes. A
solução somente seria apresentada quando o Prof. João Barisson Villares,
retornasse da Índia, no início da década de 1950 (depois do falecimento do
pioneiro João de Abreu Júnior). Quando chegou ao Brasil, o dedicado cientista
compareceu à Fazenda Itaoca, com muitas fotografias e um filme. Exibiu algumas
fotografias e ficou satisfeito quando vaqueiros da fazenda dissera: "Esse
gado é da Itaoca mas quem são essas pessoas vestindo 'saias'?" Na verdade,
eram vaqueiros da própria Índia!
Estava confirmado,
então, que o gado Guzerá de João de Abreu era perfeitamente similar ao gado
indiano. Essa luta, no entanto, iria perdurar por muito tempo. Somente em 1962,
o trabalho do Prof. Villares - com fotografias e livros trazidos da Índia -
iria ser reconhecido, e seria então reescrito o padrão racial, seguindo
exatamente o que havia norteado o pioneiro João de Abreu Júnior. A comissão que
escreveu o novo padrão era formado pelos filhos de João de Abreu, João Carlos
Burguês de Abreu, Allyrio Jordão de Abreu, Prof. Fontes, Ernesto de Salvo e o
estudioso Alvarenga, de Goiás. Estaria, então, encerrada a polêmica sobre o
Guzerat e o Kankrej, evidenciando que o pioneiro João de Abreu Júnior sempre
estivera correto.
17 - GUZERÁ NO
PROJETO RONDON
Entre 1938 e 1945 o
Serviço Nacional de Proteção aos Índias ganhou notoriedade, abrindo postos de
serviços em várias reservas. Era o "Projeto Rondon", que ganharia
renome imediato.
Tentando viabilizar
cada posto, o governo pensou em colocar ali alguns animais leiteiros. Escolheu
o gado mais rústico e leiteiro de que se tinha conhecimento: o Zebu de João de
Abreu Júnior. O criador passou a escolher um lote adequado para cada
estabelecimento, a saber: Manaus (AM), Itabuna (BA), Rio Branco (AC), Belém
(PA), e outros. O Guzerá-JA cumpria seu papel, tornando-se o elo de união entre
milênios de história da civilização indígena brasileira.
Ao mesmo tempo, o
gado ganhava fama no Exterior. Brevemente, exportações seriam realizadas para o
Senegal, Angola, Moçambique, Colômbia, Bolívia, Venezuela, México, Costa Rica,
Nicarágua, e tantos outros países. Em todos esses países restaram, sempre,
alguns núcleos que souberam aproveitar as características de mansidão e aptidão
leiteira do gado, principalmente na Venezuela, Colômbia, Bolívia e México.
18 - MUITO LEITE, DE FATO
18 - MUITO LEITE, DE FATO
João de Abreu Júnior
sabia que tinha um bom gado e gostava de promoção. Sabia que só divulgava quem
tinha algo bom. Sempre gostou da imprensa, até porque não tinha representantes
ou mascates contratados para seu gado. Era, decididamente, um homem de
"marketing" (no linguajar de hoje).
Durante o período da
2ª Guerra Mundial, o Brasil passou a exportar muita carne, e o setor pecuário
estava eufórico, crescendo como nunca! João de Abreu podia viajar e promover
seu gado, com relativa folga. Os bancos financiavam as compras, devidos às
exportações. Já em 1939, o país saltava de 50.000, para 80.000 toneladas
exportadas. Em 1940, seriam 147.000. Em 1941, mais 120.000, seguidas por
127.000 em 1942. Quando a guerra terminou, as exportações despencaram e, com
elas, uma multidão de pecuaristas desavisados.
Em 1937, o rebanho de
João de Abreu Esteve na Expo. Nacional de São Paulo. Em 1939, na do Rio de
Janeiro. Em 1942, na do Rio de Janeiro (foi a última "nacional" do
Ministério, na época)
Em 1944, esteve na de
Belo Horizonte. Também na Expo. Nacional de Gado Zebu, em Uberaba, pela
primeira vez - onde a vaca SIMATIA-JA foi consagrada a Grande Campeã.
Nem tudo era alegria,
nesse período, pois Getúlio Vargas havia determinado o fechamento compulsório
("lacramento") dos engenhos de açúcar, no RJ, em 1939. Essa era uma
eficaz fonte de renda na Fazenda Itaoca, depois que os cafezais haviam sido
derrubados. O gado Guzerá teria, agora, que suprir todas as necessidades,
sozinho, com seu leite e seu valor genético.
"O caminho do
Guzerá estava na produtividade de leite e nos cruzamentos" - dizia João de
Abreu Júnior. Os cientistas brasileiros, todavia, não acreditavam em
"leite de Zebu", encabeçados pelo competente OCTAVIO DOMINGUES. Esse
cientista resolveu conferir, in loco, o desempenho das vacas de João de Abreu
Júnior. Ficou alguns dias na fazenda, para assistir várias ordenhas e trocar
opiniões com o pioneiro do Zebu. Foi ali que esboçou mais um livro em sua
agenda, dessa vez sobre a potencialidade do Zebu Leiteiro (seria o livro "Gado
Leiteira para o Brasil"). Havia visto gado zebuíno produzindo leite, em
condições jamais imaginadas pela Ciência Europeia. Esta constatação tinha um
valor imensurável para o Zebu do país inteiro.
19 - VIABILIZANDO O GADO TABAPUÃ
19 - VIABILIZANDO O GADO TABAPUÃ
No final da década de
1930, analisando seu gado, João de Abreu Júnior resolveu descartar as vacas de
pelagem clara, tendo em vista o padrão indiano que ele percebia ser o mais
correto. Essas vacas claras, de chifres amplos, tipicamente leiteiras, eram
cobiçadas por muita gente. Um grande lote foi vendido para a região de Alfenas
(Muzambinho) e outros para o interior paulista.
Nesse tempo, o
estudioso Dr. Alberto Ortenblad resolveu adquirir animais Guzerá para
consolidar um gado zebuíno tipicamente formulado para o Brasil. Antes de tudo,
teria que ser mocho, e branco. Escolheu, então, o Guzerá, pelas suas virtudes
óbvias, adquirindo gado em João de Abreu Júnior e parte na família Lutterbach,
ambos do Rio de Janeiro.
Não é à toa que o
pioneiro e estudioso Ortenblad, em suas anotações (folheto ilustrativo sobre a
formação da nova raça) deixava claro que muitas características do Tabapuã eram
oriundas do Guzerá (e não do Gir, como pretendem alguns, ou mesmo do Nelore,
como pretendem outros). O novilho mocho, que dera origem ao gado Tabapuã, no
entanto, era oriundo de Goiás! O lastro formador do Tabapuã, portanto, era
mesmo Guzerá!
Essa circunstância
histórica explica a boa aptidão leiteira do gado Tabapuã, seu excelente
arqueamento torácico, sua peculiar forma de andamento, sua formação craniana,
suas orelhas, sua fronte plana, e outros detalhes. Tudo isso teve origem, de
fato, num bom gado Guzerá muito manso e muito leiteiro.
20 - O DESCANSO DO
VELHO GUERREIRO
Em 1945, explodiu a
"Lei Pecuária", em que Getúlio Vargas cortou todos os créditos
destinados ao setor, provocando a maior quebradeira na história do criatório
nacional. Era uma forma de coibir os abusos dos pecuaristas que buscavam
dinheiro nos bancos para finalidades alheias à pecuária. "Cerca de 29.000
propriedades rurais desapareceriam na poeira do tempo, varridas do mapa,
naqueles dias conturbados da "crise pecuária" F SANTOS, "A Saga
do Zebu Brasileiro", p.109)
Daqui até o final de
sua vida, João de Abreu Júnior, já alquebrado, muito debilitado, tendo passado
por uma vida cheia de atribulações, permaneceu na fazenda, sempre "com o
olho no gado".
O do dia, na parte da
manhã, sentava-se na varanda e assistia ao desfile de touros e vacas escolhidas.
Testava, até no final dos dias, a mansidão do gado, da seguinte maneira: pedia a
um vaqueiro para utilizar uma varinha, tentando tocar o prepúcio do touro. Se o
animal hesitasse ou estranhasse, era considerado "não manso".
Como testamento, fez
uma fotografia com o animal que julgava ser o ponto-final de sua vida:
FRIBURGO-JA. Deixava claro que, a partir desse animal, poderia ser obtido o
Guzerá do futuro. Em 15 de fevereiro de 1949, João de Abreu Júnior faleceu, aos
80 anos.
Diz SANTIAGO (1984,
p. 152): "Visitando o recinto de exposições de Cordeiro, não podemos
deixar de nos sentir comovidos, ao defrontar com o monumento erguido ao nosso
velho e bom amigo, João de Abreu Júnior. Recordamos, então, a vida toda
dedicada ao Guzerá, daquele menino imigrante de 1877, que deixou um grande nome
na história do Zebu".
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